quinta-feira, junho 29

Numa Cama de Hospital

O que aqui vou referir parece de loucos, mas é para gente mentalmente sã (se é que isso existe). Posso mesmo dizer que o momento é de catarse, de limpeza de emoções, de tudo o que ficou preso no peito ou na garganta e nunca teve oportunidade de sair. Primeiro, basta pôr a imaginação a funcionar; depois é preciso sentir tudo como se fosse real... e deixar fluir.

E a viagem começa... (recomendo uma caminha, no conforto do lar)

Imaginemos que estamos numa cama de hospital, com poucos dias de vida a restarem-nos. Por si só, este confronto faz-nos sentir ingratos para com a vida, que sempre maldissemos e quisemos a todo o custo mudar. A sensação, agora, é de impotência perante ela. Vamos morrer. Ainda somos jovens, fica muito por viver. O tempo que resta serve para fazer um balanço do que passou (e do que deixámos passar) e dizer tudo o que pensámos que não poderia ser dito. Mas pode. Também, agora não vale mais a pena deixar de dizer. O passo seguinte é recebermos as pessoas que nos vêm visitar. A família, os amigos, o marido/mulher ou namorado/a... todos. E, um a um, dizermos o que nunca ousámos. Pedir-lhes perdão, explicar como nos magoaram, contarmos as nossas mágoas e o mal que, um dia, nos fizeram sentir... Um a um. Todos, todos. Bem, posso dizer que não há lágrima que fique guardada e que o alívio seguinte é enorme. Este é um exercício poderoso de perdão, resgate de mágoas e encontro com a paz que deveria habitar em nós. E como, grande parte das vezes, não temos a possibilidade de voltar a encontrar quem nos magou ou magoámos... Outras vezes acabamos por encontrar, mas não faz sentido remexer no passado. Só que esses incómodos permanecem em nós e, como quem não quer a coisa, bloqueiam-nos e fazem-nos sofrer.

Quem experimentar ouse lá contar aqui a experiência ;). E aproveite, a seguir ao exercício, para tomar um banho relaxante (cheio de sais, velinhas, incensos e musiquinha da boa) ou dar um enorme passeio em contacto com a vida que, entretanto, ganhou outra dimensão. Claro que isto se pode repetir as vezes que forem necessárias e desejadas (dá cá uma moca! No meu caso, bem pior que um charro (que apenas me consegue provocar sufoco e descoordenação motora, daí nos termos divorciado ainda mal tinha começado a nossa relação)).

Amanhã faço...

Hoje não me apetece perder muito tempo em dissertações. Aproveitando uma pequena pausa no trabalho, vim aqui concordar com um amigo que me disse que às vezes passamos o tempo a adiar situações até considerarmos estar aptos para enfrentá-las. A ironia de tudo isto é que, se calhar, quando julgamos estar aptos já não faz sentido enfrentar o que quer que seja. Se, com calma, for possível ter a capacidade de enfrentar as situações, mesmo que não nos sintamos preparados, acabamos por dar um passinho em frente na escalada de aprendizagem e evolução. Ainda não tive muito tempo para me debruçar sobre isto, mas parece-me fazer todo o sentido.

quarta-feira, junho 28

Expor ou não expor... eis a questão

A exposição pública tem muito que se lhe diga. Desde o dia em que criei este blogue que tive consciência que parte da minha vida (sim, uma pequena parte, a que se revela) ficaria a olho nu. Isso não me preocupa, até porque considero ser este um espaço privilegiado para dar asas à imaginação, ao desabafo e à partilha de algo que é só nosso (sejam vivências, opiniões ou pensamentos que nos invadem). E foi por isso que o criei. Além disso, nunca me preocupou partilhar com os outros as fragilidades que nos tornam mais humanos e acabam por nos aproximar. Afinal, todos temos problemas, todos sofremos, todos nos sentimos injustiçados. É um facto que quem não se importa de mostrar fragilidades pode, também, tornar-se um alvo - supostamente - fácil. Quem for mal intencionado pode pegar naquilo que acha serem as fragilidades para atingir o outro. Mas no meu planeta - o da nobreza, onde as pessoas se devem respeitar porque são pessoas, porque riem e choram, têm sentimentos - também há armas, há guerreiros. Eu diria, mesmo, que há guerreiros que não querem a guerra, mas que estão preparados para ela se forem atacados e provocados, se não houver outra coisa a fazer. Por isso a exposição não me aflige. Porque sei que quem atinge fá-lo para não ser atingido. Ou seja, identifica-se com a minha fragilidade, por isso se preocupa em tentar exacerbá-la.

Há dias num almoço aconteceu-me isso. Porque depois as pessoas julgam-se demasiado espertas e formulam juízos sobre os sentimentos dos outros. Esquecem-se é que os outros sabem disso e já puseram os seus guerreiros em funcionamento. Mas também sou sincera: esses guerreiros são capazes de levantar do chão essas pessoas quando elas caírem. Só assim faz sentido ter as armas e partir para a guerra. Não é para matar.. é para assustar e defender... (God! está confuso, não está???) Bem... Estava eu no almoço e percebi que, a dada altura, estava a ser avaliada por uma colega. Que olhou para mim para ver a minha reacção. E aposto em como ela pensa que captou tudo. E aposto em como ela comentou o seu juízo formulado. Só que se enganou redondamente porque eu reagi à reacção dela, não ao que realmente aconteceu. Eu até percebo a reacção dela. Acha que o que está a viver me incomoda de alguma forma. Não, não me incomoda. Por várias razões. Primeiro porque não é o que eu queria para mim nem o que preciso na minha vida (não preciso que me bajulem para me sentir desejada ou amada pelos outros); depois porque tenho pena de pessoas que vivem iludidas com o que é a verdadeira noção de felicidade. É tudo muito relativo. A felicidade de um não será a de outro a um nível supérfluo. A um nível mais profundo julgo que até é. Todos queremos ser amados, respeitados, reconhecidos... E isso consegue-se, a um nível profundo, com independência. Quando a consciência do nosso valor vem de dentro e não resulta de estímulos que vêm de fora. Mas a vida é mesmo assim. Um dia acordamos e percebemos as asneiras que fizemos... ou não (depende da capacidade que temos para a auto-análise).

Pronto, agora que ninguém percebeu nada, é a altura da formulação dos juízos :)... "Estará ela a falar de mim?"...

Comentários livres

A pedido de várias famílias que visitam o blogue e gostariam de participar com comentários, deixou de ser necessário fazer um login com password. No início, achei ser esta uma forma de impedir que anónimos entrassem para gozar um bocadinho com isto (até porque acho normal que as pessoas se identifiquem, mesmo que sob pseudónimo, quando emitem uma opinião). Mas como, devido a isso, há pessoas que deixam de participar... o acesso está livre. Até porque o objectivo é a liberdade de expressão e a partilha de ideias que possam contribuir para que todos nos divertamos e, quem sabe, reflectamos um pouco... Agora não há desculpas! Participem!

terça-feira, junho 27

Aproveitar o presente

Este lema passa-nos inúmeras vezes pela cabeça, mas acabamos sempre por adiá-lo mais e mais um dia, até que chega a altura em que olhamos para trás e nos arrependemos do que não fizemos e talvez pudessemos ter feito. Por vezes, tão somente a vida nos disse que não tínhamos de fazer nada. Que tudo está certo. Aconteceu como devia. Mas acabamos sempre por ficar na dúvida... ou não.

Em breve, uma parcela da minha vida vai ter um desfecho. Ninguém me disse nada, mas eu sinto-o no ar. Como se me quisessem dizer, mas não tivessem coragem. Só que há comportamentos que, alguém mais atento, repara e desconfia. Eu reparei e estou desconfiada. Mas também estou preparada para o que der e vier porque a vida já me tinha convidado há tempos a este desfecho. Eu ainda tentei. Porém, houve resistências, impedimentos. Acho que agora a vida resolveu dizer-me: "Ok! Tiveste a tua oportunidade. Não o fizeste?! Eu faço-o por ti." Porque tem de ser. Apenas tem de ser. Há que abrir mão do velho para dar lugar ao novo. Só um louco compra mais loiça para enfiar num louçeiro cheio e renovado. Se calhar tem de se desfazer de alguns pratos para que o serviço que tanto ambiciona - e que irá ter - lhe caiba dentro do móvel.

Pois bem... eu preciso de mandar coisas fora. E nisso a vida é muito inteligente. Ela sabe o que é melhor para nós, senão não faria sentido o ditado "há males que vêm por bem". Tenho pena dos companheiros de viagem que vou deixar para trás. Tenho alguma mágoa de não ter tentado conhecer melhor algumas pessoas (parecem valer a pena), mas vida é assim. E há oportunidades que não se repetem. Ou sabemos aproveitá-las ou deixamo-las ir com os porcos. Em tom de balanço, sei que cresci a vários níveis com esta parcela da minha vida, dentro daquele feudo. Mas também tenho consciência que o tempo de permanência acabou. Ficam as memórias, ficam as saudades, ficam as coisas por fazer e por dizer. Talvez um dia... se forem realmente importantes...

domingo, junho 25

Realidade desigual

Ontem, de passeio pelo Porto, dei-me conta de que, na verdade, há inúmeras realidades para as quais devemos estar despertos e despertar as nossas crianças. Há uns dias, a falar de educação e relações, um colega disse-me que, enquanto pai, considerava que o seu papel era mostrar às crianças o que é a realidade de hoje e o que pode ser o futuro e fazê-las perceber que a realidade de hoje é uma grande desigualdade entre as pessoas e entre os vizinhos (muitas vezes, perto da nossa porta, há grandes diferenças de vivência). O que acontece muitas vezes é que protegemos em demasia as nossas crianças para que não se apercebam que o mundo também é cinzento, também tem coisas e pessoas feias, más e em sofrimento.

Ontem, quando inadvertidamente entrei no bairro da Sé, dei-me conta de uma realidade que eu sei que existe, mas que não teria escolhido ver naquele momento se soubesse por onde estava a ir. Uma rua a cheirar a "mijo", um grupo de pessoas que dava notas em troca de "produto", e um homem que ficou a olhar de longe, mal viu as presenças estranhas aproximarem-se. De olhar desafiador - do tipo, o que é que querem, o que é que fazem aqui -, enfrentou-me nos olhos e acompanhou-me com o olhar. Eu senti-me gelar por dentro e achei melhor baixar os olhos e fingir-me descontraída. Sim, de facto eu estava ali a mais. Acho que não corria perigo, mas o taxista com quem me cruzei de seguida aconselhou-me a nunca fazer aquilo de noite. "Nem as escadinhas nem os túneis. Até eu evito aquilo". Ele, homem. E eu a pensar: "Uau! Mas que escadas e que túnel? Serão no sítio para onde eu me dirijo agora?"

Bem, se fosse com as minhas crianças não tinha conseguido evitar uma realidade. Se calhar, ainda bem. Se calhar nem sequer devia esconder-lhes que essas realidades existem. Por acaso, em criança nunca me conseguiram esconder isso e acho que, se me tivessem escondido, nunca os teria perdoado. O mundo tem ciganos, tem agarrados, tem prostitutas, tem vagabundos, tem homenzinhos ricos de gravata e mercedes, tem condomínios fechados... Tem, tem, tem... Uma série de existências e realidades para as quais, se calhar, nunca vamos estar preparados. Isto porque é impossível dominar todas e é impossível não ser surpreendidos.

sábado, junho 24

Bibó São João!

O Porto é uma cidade linda! Tal como nos Santos em Lisboa, na Invicta também se sai para as ruas e festeja à séria, mas duas semanas depois e com outra animação. A confusão desmedida pode muito bem tirar-me do sério, só que festa é festa e, quando é da rija, ninguém leva a mal. A baixa portuense enche-se de pessoas com martelinhos (daqueles de Carnaval, mas alguns com o quíntuplo do tamanho) e não há qualquer hipótese de escapar às marteladas. As pessoas levam - se tiverem martelo também dão - e riem porque não podem fazer outra coisa. O alho porro é que não é nada bem-vindo. Basta vê-lo ao longe e começam a abrir-se clareiras na multidão para fugir ao mal-cheiroso alho que alguns fazem questão de nos passar pela cara.

Pareceu-me que, no Porto, a festa dos santos se vive com mais intensidade, maior bairrismo e animação. À meia-noite, o fogo de artifício no rio deixa muitos de boca aberta, sobretudo as crianças pequeninas que se agarram aos pais por causa do estrondo, mas que se riem com gosto perante um cenário quase apocalíptico e põem as mãos no ar para apanhar a chuva de fogo colorida. Nos arraiais não se ouve o "Lá vai Lisboa...", como é evidente. Ouvem-se todas as músicas pimba emblemáticas e algumas brasileiradas. E todos tiram o pé do chão. Muitas vezes sem ser preciso saltar, tal é a confusão e a acumulação de gente num arraial. O pior, mesmo, é regressar a casa, já quase ao nascer do Sol, com os pés inchados do bailarico, percorrendo os quilómetros de volta ao carro que ao início da noite se fizeram com leveza e muito entusiasmo. Outra nota a destacar: é óbvio que a cidade ficou mais poluída, mas nada que se compare à lixeira de garrafas e copos que Lisboa se tornou no 13 de Junho. Por que será? No Porto bebe-se menos ou as pessoas, mais bairristas do que em Lisboa, preservam melhor a sua cidade?

sexta-feira, junho 23

Como o tempo passa!

Devo estar a envelhecer... (olhem só que novidade!) Há alguns anos queria que o tempo passasse depressa para atingir a maioridade, sair de casa dos pais, ter a minha independência. Hoje, tenho tudo isso e algo mais. Mas não tenho o privilégio de achar que o tempo passa devagar. Não! Ele passa rápido, como um comboio de alta velocidade que só pára nas principais estações e não espera pelos passageiros. Desperdiçar tempo, para mim, é como estragar comida. Detesto. São preciosos demais para serem sujeitos ao desperdício. Mas também há alturas em que o tempo passa sem que demos por ele. Voltou a acontecer-me. Há pessoas que têm o dom de nos fazer parecer que o tempo parou por momentos... até voltarmos a olhar para o relógio e percebermos que a hora vai adiantada, que o tempo não congelou. Hoje foi um dia muito positivo, cheio de pessoas giras. Foi, também, um dia de mais alguns conhecimentos, de mais umas conversas que aquecem o coração e engrandecem a alma. Cresci mais um bocadinho, aprendi algo mais. Assim, sim, vale a pena ir a correr com o tempo...

quinta-feira, junho 22

Objectivos de Vida

Há pouco falava com um colega de trabalho sobre as férias. Ele tem filhos e precisa sempre de pensar nos seus dois rebentos antes de escolher o destino para descansar. Dizia-me ele que manda sempre os miúdos uns dias para os avós para conseguir, com a sua cara-metade, ter umas férias especiais. Eu concordo com esta política (acho que o maior erro de um casal é deixar a relação morrer por exclusiva dedicação aos filhos) e acabámos a falar de filhos, educação, relações... Ele disse-me uma engraçada, a propósito da vida e da forma como educamos as nossas crianças: "as pessoas precisam de se centrar no seu grande objectivo de vida, naquilo que para elas a existência tem de fundamental". É mesmo... Muitas vezes corremos em busca de sabe-se lá o quê, esperando ter sucesso, sorte no amor, desafogo monetário e uma vida muito feliz. E vamo-nos esquecendo de que o que nos faz feliz pode não ser nada disto ou ser tudo isto e muito mais ao mesmo tempo.

Essa questão de focalizar a nossa atenção naquilo que é realmente importante é uma atitude de sabedoria, que eu fiquei a admirar neste colega. E que, para não variar muito, me deu que pensar. Penso, mesmo, que o segredo de uma existência singular e feliz reside em dar valor aos pequenos nadas que nos acontecem diariamente. Quando saí da faculdade, o importante para aquela malta era encontrar emprego num grande grupo de comunicação social, ser famoso e reconhecido. Hoje, tou-me a borrifar para tudo isso. É claro que gosto de trabalhar numa publicação de referência porque sei que tenho capacidade para isso e acaba por ser o reconhecimento do meu trabalho e da minha dedicação a esta causa. Mas como esta causa tenho tantas outras que exigem o anonimato e que são tão ou mais gratificantes. Se calhar, o mal é nem sempre nos focarmos nO OBJECTIVO e irmos saltando, saltando, sem nunca chegarmos a fazer nada de concreto e sem nunca nos conseguirmos realizar plenamente. Bem... tenho trabalho. Preciso de me focar nesta tarefa.

quarta-feira, junho 21

Cada dia uma coisa diferente

"Todos os dias devemos fazer uma coisa diferente, para enganar a rotina e promover a criatividade."

Bem reclamamos contra a rotina e tentamos enganá-la, convencendo-nos de que nada se repete. Na realidade, as nossas vidas são rotineiras e, por muito que saiamos, acabamos, também aí, por estar a criar uma rotina: a de sair. Ou seja, a questão não está em sair ou não sair, mudar horários ou cumprir sempre os mesmos. A questão está em enganarmos a nossa mente e continuarmos na rotina (já que a isso somos obrigados), mas com algumas nuances. Podemos, perfeitamente, continuar a beber café a seguir ao almoço, mas um dia agarrar na chávena com a mão esquerda e no outro com a mão direita. Why not? Ou mudarmos o trajecto para casa, entrarmos pela porta dos fundos em vez da principal e, num dia, comermos primeiro a sobremesa e só depois o prato principal. Isto dá ao corpo os comandos de que há sempre espaço para a mudança e para a criatividade, não o deixando adormecer e cair na rotina. Depois, acaba também por ser um desafio, do tipo: "ora deixem lá ver que coisa diferente posso eu fazer...". Até já tenho uma data de ideias...

terça-feira, junho 20

Cântico Negro

Um amigo meu, que muito admiro, tinha a seguinte frase no nick: "Cântico Negro de José Régio é o meu Lema de Vida". Como sou curiosa e, quando gosto de verdade, me interesso pela vida dos meus amigos, resolvi perceber de que lema se tratava. E eis que, mais uma vez, sou surpreendida com algo que poderia muito bem ter sido eu a escrever porque sinto da mesma maneira. Percebi, com mais convicção, por que razão gosto deste amigo, o que há nele que me cativa. Posso mesmo dizer - correndo o risco de um dia morder a língua porque a vida muda e as pessoas surpreendem-nos - que homens assim há poucos. Normalmente, são os nossos amigos ;).


CÂNTICO NEGRO

"Vem por aqui" --- dizem-me alguns com olhos doces,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom se eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui"!
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos meus olhos, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
--- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha mãe.

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde,
Por que me repetis: "vem por aqui"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis machados, ferramentas, e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátrias, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.
Eu tenho a minha Loucura!

Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou,
--- Sei que não vou por aí.

José Régio

O Princípio da Atracção

“Os amantes não se encontram apenas, eles existem um no outro todo o tempo” – Rumi

É frequente pensar-se que a vida muda muito se encontrarmos a pessoa certa. Alguém que nos vem retirar do sofrimento, apatia e desilusão em que vivemos. Qualquer coisa como um príncipe encantado num lindo cavalo ou um mestre que traz a solução de todos os nossos problemas. Até aqui tudo muito bonito. Pena é que a realidade seja outra bem diferente. Em primeiro lugar, ninguém muda nada que o outro não queira; em segundo lugar, só a ideia de a mudança radical surgir de fora já é algo muito deturpado. A frase de Rumi reúne o princípio básico da atracção entre as pessoas: só atraímos para nós aquilo que temos dentro. Seja isso uma característica consciente e activa ou algo que gostaríamos de ser ou atingir e ainda não conseguimos. Posso dar dois exemplos. Há quem sinta fascínio por pessoas pouco convencionais, que fogem ao que se considera norma em termos de imagem ou de comportamento. É bem provável que o mecanismo subjacente a este fascínio seja o facto de quem está fascinado ter dentro de si essa vontade de se apresentar ao mundo de forma não convencional, mas não tenha coragem de passá-la à prática. Por outro lado, alguém que permite na sua vida pessoas que a desrespeitem pode muito bem indicar que, acima de tudo, é ela que não tem respeito por si própria. Até porque, se tivesse, não permitia que a desvalorizassem.
Eu achei esta frase linda porque, mais uma vez (yes, sou sonhadora e gosto de filosofias), fornece toda a autonomia e a capacidade de sermos os controladores da nossa vida. Como poderá alguém amar outrem - ou deixar-se ser amado – se não está disponível para esse amor? O mais provável é que se repita o aparecimento de amantes indisponíveis. Com algum trabalho – sim, demora e por vezes magoa – é possível converter a indisponibilidade em abertura e, aí sim, finalmente, começarem a atrair-se pessoas empenhadas e prontas para amar. Por isso é que se diz que a melhor forma de percebermos o que vai mal connosco é relacionando-nos com os outros. Se conseguirmos ter a capacidade de perceber que não é o outro que está errado, mas somos nós que atraímos aquele tipo de pessoa e/ou reacção, temos todos os dias preciosas pistas de como nos podemos melhorar. É como aquela história de exigirmos para nós aquilo que temos capacidade para dar. Funciona do mesmo modo, inclusive ao contrário. Se não temos nada para dar, escusado será dizer que o primeiro tipo de pessoa que atraímos para as nossas vidas é alguém que nos irá dar pouco. Depois é uma questão de ir afinando a bússola e permitir que as tais pessoas “certas” entrem no momento “certo”.
Realmente, eu devo ter muito que aprender. Posso dizer que atraio pessoas pouco convencionais e situações que eu diria serem trágico-cómicas. Acho que deve ser pelo facto de a minha vida interior ser um palco, com vários actores, inúmeros cenários e histórias sempre diferentes. Por vezes, as peças mudam de repente. Ainda uma não saiu de cena e já lá está outra a ser encenada. Posso dizer que não tenho tédio, mas nem sempre tenho tempo de mudar o cenário e os adereços…

sexta-feira, junho 16

Muda de vida se tu não vives satisfeito...

Acho que já todos percebemos que os tempos não são de empregos longos, fixos, cheios de regalias. Eu diria mesmo que estamos na era da instabilidade, a todos os níveis. Devo dizer que, por enquanto, isso não me preocupa. Alcancei o que pretendia alcançar e sei que continuarei a ter forças para voltar a fazê-lo se for necessário. Com uma vantagem: como nunca ganhei balúrdios nem estive fixa a um lugar, também nunca me aventurei em situações que me pusessem com a corda ao pescoço. De uma forma modesta, tenho o que preciso para ser feliz. Ou melhor, no que respeita ao que é palpável.

Já falando em termos de prazeres, para mim o maior deles seria sentir-me duzentos por cento realizada na profissão que tenho. Sim, acordei para a realidade há uns anitos (assim que comecei a trabalhar) e o que tento, nos trabalhos que me são mais penosos, é investi-los de paciência e muito amor. Por vezes penso: "ok! eu acho que ninguém lê/vê esta merda, mas vou dedicar todo o meu empenho a isto como se houvesse uma pessoa que se vai sentir feliz e a quem isto vai ser útil". Apesar de haver dias mais cinzentos, tenho o à-vontade para dizer que hoje em dia faço o que quero. Se me apetecer vir embora, venho. De qualquer um dos vários sítios para onde trabalho. Em primeiro lugar porque, como já referi, não dependo deles para pagar os meus vícios (um outro qualquer os pagará, pois são pouco avultados), depois porque cheguei a uma fase em que deixei de me sujeitar a algumas coisas. Não é isso que me faz feliz, não é isso que me faz vibrar por dentro. E sempre que puder vibrar eu vibrarei. Para chegar a este desprendimento interior precisei de bater com a cabeça, de engolir milhares de sapos e de queimar pestanas e ganhar cabelos brancos que a pouco ou nada me levaram.

Depois há outa coisa: o dinheiro não é tudo na vida. Compra um estatuto, uma posição social. Mas não compra o prazer de me sentar no chão com as crianças e de ouvir as histórias humildes e sofridas de quem sempre trabalhou arduamente, mas que nunca chegará a ser ninguém na vida. Normalmente - e quem se move no jornalismo sabe do que falo - estas coisas são mal pagas e não dão para viver só delas, mas dão uma riqueza interior que nenhuns milhares de euros poderão pagar. E como a vida é instável, como o que hoje é verdade amanhã já poderá ser mentira, eu prefiro ir-me entregando a esses pequenos grandes prazeres que não me farão mudar de casa, mas que me podem, em breve, fazer mudar de vida. "Muda de vida se tu não vives satisfeito..." nunca me pareceu tão certo como hoje. Admiro quem consegue ter esta coragem, apesar de achar que cada vez são menos os corajosos porque embarcam em aventuras que os fazem depender dos seus trabalhos e tornar-se, assim, os vendidos que eles tanto criticam...

Poucas coisas valem realmente a pena

Na vida – e isto é apenas a minha modesta opinião – há poucas coisas que valem realmente a pena. Isto no sentido de nos incomodarmos e deixarmos abater por elas. A perda de alguém importante (seja ou não para sempre) ou uma doença grave parecem-me ser os dois grandes aspectos de relevo nesta vida. Com mais ou menos dinheiro, uma ou outra cabeçada, esta ou aquela angústia, vamos sobrevivendo ao que a vida nos reserva. Mas é quando alguém que amamos morre ou se separa de nós e quando nos confrontamos com um grave problema de saúde que o nosso chão abana e, por vezes, se abre mesmo.

Ontem, alguém que perdeu um filho dizia-me isto mesmo. Face a tão dolorosa experiência, relativiza-se muito mais a vida e todos os problemas que nós dizemos existirem. O gajo não gosta de mim, traiu-me, abandonou-me; o colega de trabalho tentou lixar-me (olha que novidade!); o estúpido do meu chefe deu-me uma má resposta; tenho estrias, mais três quilos e banhas que me impedem de vestir o biquini e ser “a melhor” da minha rua… Estas e outras preocupações quotidianas na vida de muito boa gente não passam de “peanuts” comparadas com reais partidas que a vida nos pode pregar. Estou-me a lixar para o facto de o gajo não me ligar nenhuma e estar de atenções voltadas para a outra (foi um favor que me fez, pois quero mais e melhor); não me incomoda que o colega tente trapacear-me, pois sei o valor que tenho e onde consigo chegar; vou ignorar o chefe e tentar perceber que hoje não está nos dias dele; vou fingir que não vejo o corpo marcado pelas estrias, nem o peso a mais na balança ou a falta de ginásio… É pena que estes sentimentos tomem conta de nós apenas quando algo de grave acontece nas nossas vidas. Por causa destas tretas, às vezes peço à vida para me trazer experiências fortes que me façam encontrar-me com aquilo que realmente sou. Longe das coisas mínimas, que são pedrinhas num sapato, e que não matam mas moem.

quinta-feira, junho 15

A Nossa "Turma"

Na escola, raramente pudemos escolher a turma em que fomos crescendo e aprendendo novas matérias. Eu adoro metáforas e acho que a vida é, também ela, uma escola enorme cheia de alunos que se dividem em turmas. Há muitos anos, quando não podia escolher a minha turma, dava-me bem com toda a gente, era sempre escolhida para "delegada" e fazia questão de estar ao lado dos mais fracos e oprimidos. Parecia-me que esses é que precisavam realmente de mim porque os outros - meninos da mamã, com tudo o que queriam - já estavam bem protegidos. Para dizer a verdade, hoje em dia não penso bem assim. Os que, aparentemente, estão bem protegidos podem precisar igualmente - ou ainda mais - de ajuda enquanto os "fracos e oprimidos" devem também aprender a fazer algo pelas suas vidas, sem a protecção constante dos outros. Digamos que estou mais moderada e equilibrada na forma de relacionamento com estes dois tipos de "alunos".

Isto para dizer que considero importante que procuremos a nossa "turma". Para que a nossa aprendizagem não seja junto de alunos que sabem muito mais e nos fazem sentir burrinhos, nem com alunos que se atrasaram e, em consequência, retardam o nosso processo de aprendizagem e crescimento. Numa altura em que entrei numa nova etapa da minha vida (quem percebe e acredita em astrologia sabe ao que me refiro, apesar de isto poder ser explicado de milhentas outras formas) posso afirmar com convicção e muita serenidade que encontrei as minhas "turmas". Para me distrair tenho uma turma; para falar de futilidades, há outra que me recebe; para partilhas verdadeiras e vindas de dentro, junto-me a outro tipo de alunos... Em última análise, tenho o grande mestre a quem recorro (que está cá dentro, nunca o consegui encontrar fora). E assim vou vivendo, de turma em turma, consoante o que é importante para mim num dado momento. Até porque não sou do tipo de alunas que se inscreve numa só disciplina. Gosto de ter várias valências e não sobrevivo a dependências ou controlos exteriores. Depois há aquelas turmas que não me dizem nada ou que, simplesmente, me deixaram de dizer. Acontece. É como as disciplinas em que pomos grandes expectativas e depois se revelam monótonas, aborrecidas e sem novidades. Há turmas assim, que parecem muito "in" e apelativas, mas que espremidas não têm grande coisa para me dar. Assim como também não precisam de mim para nada porque se bastam a si mesmas. A essas eu digo não. Até porque não me apetece estudar de novo aquelas matérias gastas, doentias e poeirentas.

Ontem aventurei-me numa coisa giríssima e descobri novos alunos com quem posso formar uma turma. Como em tudo na vida, o começo é sempre entusiasmante. Acredito que, com o tempo, se instalem insatisfações. Mas a minha esperança é que esta turma, pelas singularidades que tem, me consiga sempre surpreender. E isso dá-me pica para ser, também eu, surpreendente.

terça-feira, junho 13

Há momentos... inesquecíveis

Há momentos que nos marcam e deixam, até, sem palavras. Para mim, ontem foi um deles. Eu já sabia que estava rodeada de pessoas boas, amigas e verdadeiras. Sabia que podia contar com elas e recorrer-lhes sempre que necessário. Ontem tive mais uma prova disso mesmo. Pelo ambiente, pela envolvência, pela surpresa do momento. Hoje não me apetece expor e contar a história toda. Mas os intervenientes sabem ao que me refiro. A eles, muito obrigada por tudo!

sábado, junho 10

Droga... Maldita droga

Que a droga mata aos poucos, já se sabia. Que pode destruir quem consome e quem assiste, também não é difícil de imaginar. O que li anteontem foi isto tudo junto e muito mais ao mesmo tempo. Apesar de não ser mãe, calculo que perder um filho seja das maiores tragédias desta vida. Matá-lo, então, calculo que seja uma mistura de desespero, angústia, culpa e vazio de vida que se intalará para sempre. Dadas as circunstâncias, não sei se são estes sentimentos que se instalam naquele pai. Parece-me que o alívio também poderá ter lugar.

A história é a seguinte: um senhor de 76 anos matou o filho com um tiro depois de uma discussão em que o rapaz exigia ao pai dinheiro para a droga. As cenas eram diárias e duravam há anos. O rapaz afirmava que se iria "charrar até ao fim da vida". E os pais, doentes e com uma idade avançada, iam ouvindo angustiados, iam dando algum dinheiro para calar o filho. Até ao dia em que o cansaço deu lugar ao desespero e o pior aconteceu. Ao que parece, o senhor queria apenas assustá-lo, mas ao segundo tiro matou-o. Acabou, em definitivo, com um grave problema. Mas vai preso, aos 76 anos, quando deveria ter direito a uma velhice em sossego. Pior do que isso, vai ter de conviver com três dores profundas: sentir que falhou na educação do filho (se é que isto faz sentido e tem alguma coisa a ver), perdê-lo e ter sido ele que provocou essa perda. Não consigo imaginara muito pior do que isto. A mãe, por seu turno, perdeu o filho e o marido.

Ao ler esta história num jornal lembrei-me de ti. E da angústia de quem te rodeava e amava. Tudo em casa era passível de ser vendido para a "maldita" droga. Isso até seria o mínimo, desde que entrasses bem. Mas não entravas. O estômago tremia só de pensar como virias desta vez... ou se chegarias a aparecer. Não seria a primeira - nem a última - vez que ligavam do hospital ou da polícia a pedir a comparência dos familiares. Deste-me uma lição de vida e, ao mesmo tempo, tornaste-me intolerante para com quem diz - como tu também dizias - "isto não faz mal nenhum! É só hoje! Quando quiser parar, páro". Eu não acredito. Se calhar, porque me mentiste. Ou então, porque assisti a mais um dia, seguido de outro e de outro, sem fim à vista e cada vez com mais problemas e degradação. Algum dia, 30 anos de drogas tinham de ter um fim. O que vi não foi o que desejei para ti. Confesso-te que dei por mim a pedir que, no caso de haver Deus, Ele te convidasse para viajar. É que, a dada altura, deixaste de pertencer a este mundo. Não fazia sentido manteres-te ali, deitado e imóvel, sem que ninguém te pudesse ajudar.

Apeteceu-me este desabafo porque li aquela notícia e lembrei-me de ti; porque me cruzei no metro com um "agarrado" que contou as suas histórias e me lembrei de ti; porque vi um documentário sobre a "meta", uma droga recente e bastante poderosa, e me lembrei de ti; porque estou quase a passar por um dia especial em que tu tanto fazias questão de estar presente porque gostavas muito de mim. Pelo teu exemplo - e por tudo o que, inconscientemente, me ensinaste - deixei de pactuar com pessoas que escolhem a droga como companhia. Não quero assistir, de novo, à degradação crescente de quem amo. Se puder evitá-lo, evito. Se puder fugir, é das primeiras coisas que farei. Não é cobardia, nem falta de sensibilidade. É a plena consciência de que nada poderei fazer contra essa "senhora". Mas também não me sujeito de novo a odiá-la e a ter a consciência diária de que sou preterida em prol dela. Prefiro manter-me à distância. O que me impressiona é que nunca davas o braço a torcer, mas quando escrevias contavas a tua triste sina e a forma como gostarias de lhe mudar o rumo. Orgulhoso como eras, nunca pedias ajuda. Para isso, era preciso que reconhecesses que precisavas de apoio. Contaste que começaste pelo "básico" e foste aumentando, aumentando, até te sentires satisfeito, se é que isso era possível.

Olha, ontem li um artigo numa revista feminina que falava de um psicólogo que editou um livro sobre os "Homens a Evitar". O álcool e a droga estavam lá. Não apenas pelo mal que causam, mas sobretudo pela razão pela qual são utilizados. "Quem se refugia no álcool e na droga não consegue resolver os seus conflitos emocionais", dizia o especialista. Eu acredito nisto, sabes?! Não só porque sei aquilo por que passaste, como também porque tenho a noção de que eu teria sobrevivido mais facilmente aos momentos difícieis se tivesse consumido. Mas acho que, dessa forma, teria dois problemas: o do hábito do consumo e o das adversidades que não se resolveram, apenas se camuflaram e ficaram a ganhar pó. Posso-te dizer, em género de balanço e para não ficares preocupado, que sobrevivi. Estou muito bem e mais forte do que nunca. Descansa em paz, onde quer que estejas... Bem o mereces...

quarta-feira, junho 7

O Dia da Besta

Por vezes acho que somos verdadeiras bestas. 666 - o dia da besta! E temos o mundo alerta por causa deste número que vem na Bíblia como o do Diabo. Já se temia que as criancinhas que nascessem neste dia pudessem ter má sorte ou ser diabinhos. Tadinhos. Ainda mal viram o mundo e as dificuldades que ele comporta e já lhes estão a "enguiçar" a existência. Há dias em que conseguimos ser mesmo bestas... E acho que a euforia mediática de ontem provou isso mesmo.

Quebrar padrões… para seguir em frente

Ao longo de toda uma existência temos de enfrentar testes e obstáculos antes de evoluirmos e conseguirmos seguir em frente. É assim para aprendermos a andar, para passarmos na escola e na faculdade e, mais tarde, para evoluirmos no trabalho. Mais importante do que tudo isso, é assim que evoluímos enquanto pessoas. É como se, nos temas da nossa vida que nos são mais difíceis, tivéssemos de fazer várias vezes o exame antes de estarmos aptos a passar à etapa seguinte. Os testes não vêm em papel, nem são escritos a caneta. Vêm em forma de pessoas ou situações que nos obrigam a utilizar os sentimentos, a razão e as emoções. Em suma, que nos obrigam a mergulhar, muitas vezes, até ao fundo do poço. O objectivo não é morrermos afogados, mas encontrar uma forma mais rápida e eficaz de sobrevivermos à tragédia. E isso pode significar não dar as mesmas respostas que demos no teste anterior.
O mais aborrecido no meio disto tudo é que não somos avisados que seremos submetidos a exame no dia ou na semana seguintes. São testes-surpresa por vezes tão surpreendentes que só nos apercebemos mais tarde da sua importância. Estar constantemente preparado é um truque maravilha. Mas teórico, claro. Em teoria estamos sempre preparados para o pior. Mas, na verdade, nunca estamos. Depois há outra questão. A forma como as situações são por nós vividas pode ser de uma tal intensidade e de um elevado sentimento de vitória que passa completamente despercebido a quem está de fora. Claro que para um “outsider” ter um 18 é bem melhor do que um 10. Mas para quem está no remoinho e sempre chumbou no exame, ter um 10 é a nota do sucesso e tudo o que se precisava para seguir em frente.
Há mais um “incómodo”. Tem de haver sempre um “objecto” do nosso sucesso. Tem de haver sempre um professor que nos dará a nota no exame. Já escaldados de situações anteriores, podemos ser implacáveis para este professor. Isto é, estudar, estudar, estudar, e apenas precisar do professor para nos fazer o exame e dar a nota. E nem lhe damos grande valor porque ficamos extasiados com o nosso sucesso. Pelo contrário, se o filho da mãe do “mestre” nos chumba… não o esqueceremos tão depressa. E faremos tudo para lhe provar que ele é que estava errado (sem sucesso, claro, porque nem sempre temos possibilidade de recorrer da nota). Todos os professores que tive foram excelentes. Mas reconheço que, quando deixou de me apetecer repetir exames, marrei o mais que pude para passar com distinção. Sem pedir explicações ao professor que, entretanto, não percebeu a razão de eu não ter precisado dele. A culpa não foi sua, professor. Ensinou da melhor forma que sabia. Eu é que já não tinha mais pachorra para a cadeira e resolvi passar de vez, provando a mim própria que era capaz sozinha e prescindindo das suas explicações.

terça-feira, junho 6

O Poder Perverso da Net

A Internet é, sem dúvida, um excelente meio de comunicação, pesquisa e contacto com o Mundo. Porém, essa abertura que esta janela gigante nos dá pode ter os seus contras e incómodos. É o caso dos blogues, por exemplo, onde as pessoas podem expor as suas vidas (se assim o entenderem), dar as suas opiniões livremente e ser incómodas. O mais engraçado é que isso faz outras pessoas estarem atentas ao próximo texto para contra argumentarem, refilarem ou, simplesmente, por mera curiosidade. Há, ainda, quem se refugie em nicknames, invente endereços electrónicos e se adicione ao messenger de outros sob disfarces. Não sei se foi o que me aconteceu esta semana. Sei que a forma como alguém se adicionou ao meu messenger foi estranha e a justificação para tal mais estranha ainda. Controlo? Não estou habilitada a dizê-lo. Um teste? Também não me consigo disso certificar. Apenas sei que estou atenta e que há argumentações que para mim não “colam”. Talvez por defeito de profissão; quem sabe se por já estar escaldada. Pode até nem ser nada disto e estar perante uma coincidência (mas elas não existem, pois não?!). Pouco importa. Há sempre a hipótese de bloquear o contacto, eliminá-lo da lista. Mas o giro é a facilidade com que se pode criar um mail, arranjar um disfarce e entrar na vida de outras pessoas (ou até mesmo tentar estragar-lhes a vida). Lembro-me do caso de um namorado rancoroso (e cobardolas, por incrível que pareça) que criou uma conta de e-mail em nome da namorada e começou a enviar fotos que lhe tinha tirado em privado a uma lista de contactos (não, não aconteceu comigo!). É, também este, o poder perverso da Net.

Fora os cobardes!

A cobardia irrita-me. Ainda no rescaldo de uma viagem “original” (vou chamá-la assim para não ferir susceptibilidades) com o “senhor risinhos”, verifiquei que ele voltou inteiro do seu fim-de-semana animado. Ainda bem para ele. Fico feliz. Só tenho pena que a sua cobardia lhe dê apenas para se refugiar num comentário e dizer “Tu és é parva!!!” à pessoa que ele tratou deselegantemente há poucos dias. Tenho-lhe a dizer, “senhor risinhos” (e para acabar com isto porque o meu blogue é para gente de bem), que devia pensar duas vezes e ver quem foi e continua a ser realmente parvo. As suas farpas não me atingem porque estou muito além (apesar de agora não parecer), aliás como provei ao seguir a minha vida e ao escolher o meu caminho. O seu caminho, recordo-lhe, foi recusar qualquer diálogo e comunicação (apanágio de pessoas evoluídas) e continuar a ser evasivo e cobardolas. Detesto cobardes. Detesto meninos com a mania que são gente, mas que ainda têm muito para aprender (sobretudo, boas maneiras). Detesto pessoas que preferem messenger, mails e mensagens de telemóvel para dizerem aquilo que pensam. Sim, podia não ter escrito nada do que escrevi anteriormente no blogue. Mas o que lá está escrito - como o “senhor risinhos, se for a pessoa de bem que apregoa ser, terá de assumir – corresponde fielmente à realidade. Além disso, teve oportunidade de ouvir da minha boca (enervada e em tom um pouco alto, é verdade) tudo aquilo que penso. Está recordado da razão pela qual não conseguimos comunicar, não está??? Então e agora? Quem é o parvo? Não me faça dar a resposta... Parece-me que, se tinha alguma coisa ainda a dizer-me (como, por exemplo, “Tu és é parva!!!”), devia ter pegado num aparelho chamado TELEMÓVEL e tê-lo dito pessoalmente. Para mim, são esses os corajosos e as pessoas de bem. Como me parece que falar mais sobre isto era colocar-me numa posição ingrata de quem lava roupa suja, dou por encerrado este debate. Não se aflija que eu preservo uma coisa chamada AMIZADE (durante o tempo que existiu) e sei guardar segredo de conversas tidas enquanto esse laço existia. Se não fizer o mesmo, é um problema seu. Porque eu respondo frontalmente pelos meus actos sem qualquer problema. Desejo-lhe tudo de bom.

domingo, junho 4

Não há Coincidências... Apenas Sinais - Uma Aventura em Amesterdão

O desabafo que se segue pode ser uma verdadeira seca para quem dispensa algum do seu tempo a ler este blogue. De qualquer forma, publico-o por três razões: - em tom de desabafo, porque preciso de colocar esta experiência preto no branco; - para mostrar aos meus verdadeiros amigos que me perguntam como correu a viagem; - como forma de solidariedade e alerta para quem pensa meter-se neste tipo de embrulhada. E a história foi assim:

Era uma vez um rapaz que convidou uma amiga para passar com ele o aniversário em Amesterdão (Holanda, para os mais desorientados). Depois de um jantar de conversa e risota, entraram na net e reservaram duas passagens de ida e volta para a "famosa" capital (este "famosa" tem malícia...). Pronto! Estava combinado! Dentro de 3 semanas e meia lá iam eles. O tempo foi passando e entre os dois a relação de amizade ia tendo os seus reveses. Algumas brincadeiras que a amiga considerou de mau gosto (mas que para o rapaz eram "apenas testes", como se nas pessoas também houvesse "test drives"), umas conversas mais sérias e eis que ela quer desistir da viagem. As razões que alegou foram o facto de, face aos últimos acontecimentos, não ter a certeza de conhecer a pessoa com quem ia viajar para AQUELA CAPITAL (sim, esta também tem malícia) e com quem ia partilhar o quarto (era mais barato, apesar de o alojamento lá ser caríssimo).

O problema da amiga é que não gosta de deitar dinheiro à rua porque tem mil e uma coisas proveitosas onde pode aplicá-lo. Ora, se já tinha gasto dinheiro numa passagem que quase lhe comprava a nova cama... tinha mesmo de ir. Além disso, ia conhecer uma capital nova na sua lista de capitais europeias que queria visitar. Ela já tinha sido avisada (por uma pessoa externa a esta embrulhada) que talvez não precisasse de viver uma experiência tão dura para aprender mais um bocadinho com a vida. Até porque este era um filme que, a confirmar-se, a amiga já tinha visto ao longo de anos na vida de pessoas muito, muito próximas. Pronto, nenhuma aparente coincidência demovia a amiga da merda da viagem (ou viagem de merda. Para o caso é indiferente). Ah! Para aproveitar os escassos 3 dias que iam passar em Amesterdão, os amigos resolveram sair de Lisboa no voo das 07h45 de sexta e regressar no voo das 19h e qualquer coisa de domingo.

OK! A aventura estava prestes a começar...

Para não haver atrasos, a amiga foi dormir a casa do amigo para partirem juntos pouco depois das 6h00 da manhã e chegar com tempo ao aeroporto. O amigo queria sair mais tarde, mas a amiga, escaldada, insistiu para que fosse mais cedo. Burra! Neste caso, era um sinal. Chegados ao aeroporto, ao fazer o chek-in, o amigo tinha andado a passear o BI na máquina de lavar. Resultado: a foto estava irreconhecível e não o deixavam embarcar. Solução: tinha meia hora para ir a casa buscar o passaporte ou já não embarcaria nesse voo. A amiga esperava por ele no aeroporto, mas não se podia distrair muito porque o seu chek-in estava feito. Bom, desta vez as filas lisboetas não originaram nenhum desfecho incómodo. Ele voltou a horas. O avião levantou voo e algo de estranho aconteceu... Não subia o tempo que seria previsto. Andou cerca de meia hora e o piloto resolveu fazer um comunicado aos passageiros. "Senhores passageiros: devido a um problema de pressurização que nos impede de ir mais alto (caso continuemos a esta altitude ficamos sem combustível), vamos ter de regressar a Lisboa". Oooooopsssssssssssssss. Segundo sinal... Seria?! Nesta altura, já a amiga se estava a convencer a ela própria que tinha de se moderar com os seus "sinais" e intuições. Mas a vontade, realmente, era ficar em Portugal. Até porque só partiram quase ao meio-dia.

E a aventura continua ....

Chegados a Amesterdão, com quatro horas de atraso, era altura de encontrar o hotel que o amigo quis reservar pela Internet. Minúsculo. Demasiado minúsculo para duas pessoas que em breve se iriam incompatibilizar. Novo problema: o amigo só tinha reservado uma noite e o hotel já não tinha vagas para o dia seguinte. A recepcionista lá fez a próxima reserva num hotel vizinho. Se o primeiro quarto era minúsculo, o do dia seguinte não tinha explicação. Além de não ter explicação o facto de ficar num quarto andar sem elevador. Adiante. O primeiro dia na cidade ia correndo bem. A amiga não fuma (nem tabaco nem outras "cenas"), mas aceitou "na boa" ir com o amigo ao coffee shop para que ele se abastecesse. Em Portugal ele confessou à amiga que gostava de experimentar as "cenas" de lá, mas que obviamente não ia lá por isso. Até porque, se fosse, não ia assim levar a amiga cuja presença e companhia ele muito prezava. Por sua vez, a amiga não vê com bons olhos essas "cenas", mas tenta não empatar ninguém desde que não a prejudiquem. Então lá foi, qual dama de companhia, para um local que não tem nada a ver com ela (a coffee shop). Era, também, uma forma de conhecer uma realidade de que tanto ouvira falar (e a amiga é curiosa, gosta de novidades). Aliás, a amiga queria muito ir conhecer a zona de Red Light District onde se vende sexo nas montras. Além de tudo o mais, não se estraga o aniversário a ninguém mesmo que, depois, nos estraguem todo um fim-de-semana.

Sempre bem disposta, sempre a tentar manter o astral em cima, a verdade é que a amiga começava a sentir que as coisas não eram as mesmas. Ao que parece, aquela "merda" é das boas. Pelo menos, fazer alguém ter risinhos continuados e não parar de dizer "isto é demais, é altamente" indicia isso mesmo. Foi a partir daí que a amiga começou a perceber que a saída nocturna era sempre na mesma zona. A amiga queria conhecer o resto da cidade, mas tinham dito ao amigo que aquela era a melhor zona. Os mapas, por acaso, apontavam outras zonas de interesse, mas há que acreditar em quem já lá tinha estado. Em breve a amiga iria perceber as razões pelas quais alguém poderia ter recomendado APENAS aquela zona. Para terminar a noite, entrada numa das discotecas famosas da cidade, com dois palcos com música ao vivo. Num deles, curiosamente, DJ a passarem sons brasileiros. Com o samba no pé, a amiga abanava o capacete. Entra o próximo artista, o americano vedeta da noite, e o amigo quer ir embora. Impaciente, nada o contentava ali. OK. Não se obriga ninguém a estar onde não quer, ainda mais em final de dia de anos. Bora lá então. Um "spacecake" (uma merdola que eu trinquei e jurei para nunca mais, mas admito que seja uma delícia), uns "picas" e está a noite feita. Para o amigo. Para a amiga, aquilo começa a perder o interesse. Mais um dia e meio às voltas na mesma zona da cidade? Era altura de elaborar um plano, com o acordo do amigo claro está. Mapa na mão, roteiro turístico, e já há programinha para amanhã. O amigo não quis ir ver nessa noite a zona das prostitutas, mas prometeu que na seguinte acompanhava a amiga. Tal como ela tinha feito (e andava a fazer) com as coffee shops. Amesterdão tem inúmeros museus, mas seria impensável vê-los a todos. Um deles, o maior, tinha 6 milhões de obras! Talvez escolher um emblemático e nas redondezas para dar uma vista de olhos também pelo ambiente cultural da cidade. O Museu Van Gogh. Esse artista dos Girassóis que a amiga tanto admira. O amigo confessou não gostar muito de museus, mas até fazia o jeitinho e ia com a amiga. Dividia-se o mal pelas aldeias, como se diz em terras lusas.

E a aventura ainda agora começara...

Já se tinha passado um dia (ou uma tarde, por causa do atraso do voo). O segundo dia tinha de ser também bem aproveitado. Começaram por ir os dois ao Albert Market, um famoso mercado holandês e dali seguiram para o Museu Van Gogh. Antes de entrarem, o amigo dedicou-se às "cenas" na relva do parque em volta. No museu, uma fila grande, dez euros a entrada. A amiga sentiu-se confusa e pensou como gostaria que fizessem com ela se esta situação se passasse à entrada de uma coffe shop: "O meu amigo não gosta muito de museus. Não acho justo ele pagar 10 euros para apanhar uma seca enquanto eu posso entrar já e de graça sendo jornalista e tendo carteira profissional. Vou-lhe facilitar a vida e propor marcarmos um encontro para daqui a pouco. Também acho que não devo desperdiçar esta oportunidade de entrar no museu, sendo tão fácil." Comunicou isso mesmo ao amigo, que concordou e disse que não ia fazer nada. Que apenas a esperava no parque (assim de uma dimensão do tipo Parque Eduardo VII, em Lisboa). Entusiasmada por este momento, a amiga pensou também que, por respeito àquela pessoa que a esperava e que não tinha escolhido fazer outra coisa, devia acelerar o passo e ver em 20 minutos um museu que demorava, à vontade, 2 horas a ver. Mas achou que o amigo se iria esparramar na relva como tinham feito há minuto atrás. A curtir a dele. No museu, havia ainda uma itinerância de obras de Rembrandt e Caravaggio. Ela delirou! Sorveu o mais que pôde em 20 minutos, tentando não atropelar ninguém no mar de gente que se encontrava lá dentro, e foi a correr para o parque procurar o amigo, no local onde tinham combinado, com duas coisas para contar: "Oh pá! Que lindo! Gostei bastante!" e "Mas sabes? Estou intrigada! Não vi o quadro dos girassóis!!!". Pois não viu, não. Estava a "abrir" que nem uma maluca para não fazer o amigo esperar e nem reparou que a exposição tinha só mais dois pisos. Onde está ele? (o amigo, não o quadro dos girassóis). Depois de uma volta ao parque, de um olhar atento sobre as esplanadas da zona (ele podia estar nos copos, não seria de estranhar) concluiu que o amigo não estava lá. Telefonar não dava porque tinha deixado o telemóvel no hotel, com o conhecimento do amigo. Só havia uma solução. Ir até ao hotel para telefonar ao amigo. Sempre com a procupação de que ele pudesse estar perdido algures no parque e a apanhar, agora sim, uma grande seca com toda esta demora. O amigo estava, afinal a andar de barco. Não tinha sido esse o combinado, por isso seria pouco provável que se encontrassem mesmo se a amiga tivesse continuado a procurar. As viagens de barco levavam de 2h a 6h, dependendo da que o amigo tivesse escolhido para fazer. Mais valia terem-se entendido logo e combinado um local e uma hora. Falharam.

E a amiga começa a sua verdadeira aventura...

A amiga tem um defeito do caraças. Raramente falha no que costuma combinar. E raramente perdoa que adultos a desrespeitem e falhem aos compromissos assumidos. Ao perceber que o amigo estava a andar de barco e lhe disse que depois iria para o hotel, é evidente que não ficou fechada no quarto. Pegou nos mapas, pediu duas chaves ao recepcionista e foi fazer o seu périplo pela cidade. Mas avisou o amigo. "Tens uma chave na recepção. Quando chegares liga para saberes onde estou e se queres lá ir ter." Ligou? Não, não ligou. Deixou-a sozinha. Como convinha. Até porque quando, já ao final do dia, ela lhe ligou de volta, ele precisava de descansar no hotel. Talvez devido a uma coisa "demais, altamente". Ela ainda lhe perguntou, em bons modos, se ele afinal queria jantar com ela e sair como tinham combinado. "Sim, sim. Vou tomar um banho e descansar um bocado. Vem cá ter, depois vamos". Ela foi lá ter, mas o que viveu durante a tarde merece ser contado antes.

De mapa na mão, a amiga preparava-se para atravessar a cidade de eléctrico. Foi pôr um postal nos correios e seguiu para a zona oposta da cidade. O seu ar de inglesa (que a costuma irritar quando a confundem, mas pelos vistos dá jeito) levou um senhor a aproximar-se dela e pedir informações sobre os eléctricos (o holandês é como o chinês. Não se entende e não se consegue ler. Por isso, o inglês faz milagres e seria a salvação daquele americano que se aproximou). Curiosamente iam para a mesma zona. E, mais bonito ainda, o homem conhecia a zona oposta e ia em busca de um templo budista. "O quê? Um templo budista? Está a brincar, não está? Eu também quero ir ver!". E lá foram os dois, agora companheiros de viagem. O americano não largou a portuguesa a tarde inteira. Sempre prestável, sempre cavalheiro. Falaram de mil e uma coisas (desde Budismo, ao Iraque, a Bush, a Portugal e à nova descoberta deste "cientista"). Detiveram-se a beber uma cerveja com vista para o canal. Ele levou-a a ver o que faltava da cidade. Trocaram-se nomes de livros que podem interessar ler, assim como sites a visitar. Um convite para jantar dali a umas horas fez a portuguesa acordar para a realidade. "No, thanks. O meu amigo espera-me no hotel." As despedidas foram comoventes. O senhor emocionou-se. A portuguesa tem uma teoria. Assim como ela estava ali perdida, com um desconhecido, sem saber muito bem o que pensar ou até mesmo o que fazer, aquele senhor era também um viajante solitário que iria voltar a ficar sozinho enquanto ela sempre tinha o amigo no hotel.

Já de volta ao hotel, o novo recepcionista avisa a portuguesa que o seu amigo está no quarto. A porta não abre, ninguém atende. Apenas sai daquele vão um tipo que se assusta ao ver a portugesa e pede desculpa porque se enganou no quarto. A rapariga toca a descer de novo as escadas e pede ajuda ao recepcionista. "Deve estar trancado por dentro, por isso é que não abre. Eu ligo para lá." Ninguém atende. Toca a subir de novo a merda das escadas, que parecem que não acabam para, por fim, conseguir entrar. Trocam-se umas palavritas e percebe-se, claramente, que o ambiente entre os dois está de "cortar à faca". Sempre em silêncio, ela põe-se gira para a noite que tinham combinado, sem pachorra para ver mais filmes, mas preparada para lidar com a situação (pensava ela). Ele deixa-a arranjar-se, dormita e depois vai tomar banho. Sempre em silêncio. Que, num cubículo daqueles, fazia mais ruído do que a maior das bandas de rock. Ela atende o pai ao telemóvel (a quem não disse que ia estar fora do país e a quem diz que está muito bem. "Estás mesmo?", pergutnou ele como que a pressentir alguma coisa. Não se pode cometer a crueldade de desabafar com um pai, estando num sítio onde ele nada poderá fazer para ajudar se for o caso).
Já pronto, ele informa-a que vai sair. Ela quererá ir ou fica ali? Ela olha, estupefacta, e responde que gostaria de ir aonde eles tinham combinado há dois dias. "Eu vou beber um copo e jantar. E não, não vou às putas." Realmente. Ninguém lhe tinha pedido para ir às putas. Apenas para ir ver a zona das prostitutas... mas enfim. Durante o dia, ela tinha-se informado na recepção se aquela seria uma zona de risco para ela ir de noite, sozinha. Disseram-lhe que em princípio não porque costumava haver polícia na zona. Os guias, por seu turno, indicavam aquela como sendo a zona dos carteiristas. Aquela onde o amigo não queria ir com a máquina digital no bolso, mas para onde não se importava que a amiga fosse sozinha. Sim, parece que a polícia não tinha registos de os ladrões levarem pessoas, só objectos.

A amiga tem outro grande, grande defeito. Sendo uma profissional da comunicação, não concebe como é que se podem dar mal entendidos só porque as pessoas não comunicam. Então disse ao amigo que precisavam de falar. Para ele se sentar e conversar. Mas o amigo já estava acompanhado (bem, por sinal) e, entre risinhos, disse à amiga que tinha ido ali para curtir e era isso que ia fazer naquela noite. Se ela quisesse fazer o que ele ia fazer, tudo bem; senão, fosse à vida. A amiga tem, ainda, outro grande defeito. Detesta cobardolas e pessoas que virem as costas a situações que se criaram por falta de comunicação. O problema do amigo tinha sido que a amiga tinha entrado sozinha no museu e ele tinha sentido que ela o tratou como um mal cheiroso que não queria que a acompanhasse. Além de não ter insistido com a amiga para entrar no museu e de não lhe ter perguntado logo porque é que ela lhe sugeria que se separassem por momentos, o amigo não deixou que a amiga lhe explicasse o raciocínio que tivera. A amiga tem, ainda, outro grande defeito. Quando sabe que tem razão e que precisa de mostrar os seus pontos de vista, insiste e passa ao ataque. Sim, pôs o indicador em riste e exigiu ser ouvida. Mas depressa percebeu que não adiantava falar para o senhor risinhos. Ele estaria noutra dimensão. Fechou-lhe a porta, foi embora (ela ainda lhe conseguiu dizer o que pensava, não muito bonito naquele caso. Não valer um c.r.lho é chato de dizer e de se ouvir, mas às vezes é sentido). Ela ameaçou que voltaria de imediato para Portugal porque não se iria sujeitar a ser ignorada por um amigo que fez questão que ela fosse e nem iria estar fechada num cubículo com uma amostra de homem que, por um problema de mania da perseguição, tinha optado por deixá-la sozinha em Amesterdão o resto do tempo. E, pelos vistos, estava-se bem a "cagar" para ela. Não que fizesse diferença estar sozinha, visto que a dada altura a companhia dele era mesmo outra. Mas se era para ir realmente sozinha, a amiga teria ponderado fazer agora esta viagem e ser este o destino escolhido. Talvez Roma, Veneza ou Florença fossem preferíveis nesta fase.

E agora? Como se safa a amiga?

As lágrimas corriam-lhe pela cara. De raiva. Raiva por ter aceite fazer aquela viagem. Raiva por não ter atendido aos sinais. Raiva por ter de passar a noite naquele cubículo com aquela amostra de gente, numa cama minúscula. As pessoas valem pelas atitudes que tomam e, no topo da lista da amiga, está o respeito pelos outros seres humanos. Mas ninguém consegue respeitar os outros se não se respeitar a si próprio. Depois das emoções expressas, era preciso agir. E nisso, reconheça-se, a tipa não é nada atada. Move montanhas se isso a fizer sentir-se melhor consigo e ser a sua melhor amiga. E o problema aqui era concluir que, de facto, não conhecia o amigo. E nunca se saberia como ele podia entrar. E nunca se saberia o que podia acontecer depois. Mas, mais importante do que isso, ela não se sentia bem ali e não ia ficar.
- Primeira conclusão: "Não partilho esta merda deste cubículo com este atrasado mental (com as devidas desculpas aos verdadeiros atrasados, que disso não têm culpa). Vou sair daqui AGORA!". Primeira conclusão e primeiro problema: os útlimos voos para Portugal seguiam dali a nada (eram 20h, mais coisa menos coisa). Ir até ao comboio e depois ao aeroporto seria cerca de 30 a 40 minutos. Impossível, portanto. A amiga ainda pensou ir ao acaso e tentar a sua sorte, mas foi vivamende desaconselhada pelo recepcionista. "Nao faça isso. Eu tento ajudá-la de outra maneira."
- Segunda conclusão: dormir noutro hotel e amanhã partir para Portugal. Segunda conclusão e segundo problema: a cidade estava em festa, o que tinha esgotado todos os hotéis. Dos 15 para os quais a amiga ligou, nem um tinha um quarto para a abrigar. O recepcionista do hotel também viu na net que estava tudo cheio.
- Terceira conclusão: "sem voos nocturnos e sem quarto, mas a não querer ficar aqui - porque me estou a violentar e porque prometi há algum tempo a mim própria que não faço coisas que me violentem - tenho de convencer alguém a ajudar-me. A polícia!" "Não faça isso. Eles estão ocupados com outras coisas, vão mandá-la procurar hotel", disse o recepcionista. Claro que tinha de passar pelo "incómodo" (humilhação seria forte demais) de ouvir a pergunta " Você e o seu namorado zangaram-se?". "Não é meu namorado. É... era um amigo", respondeu. Talvez ainda hoje o recepcionista não tenha acreditado, pois realmente reservarem um quarto, zangarem-se e dizerem que são amigos... Mas dava para engolir esse sapo... "Merda, merda, merda! Nem que durma na estação de comboios ou no aeroporto. Não seria a primeira a fazê-lo...", disse para si própria.
- Quarta conclusão: Os amigos são para as ocasiões e supostamente ajudam-nos quando mais precisamos deles. Ligou para Portugal e pediu a um amigo que lhe desse o contacto de uma portuguesa, emigrante na Holanda, que ela conhecera na última viagem a Londres. "Claro que ela te ajuda! Liga-lhe agora, vá! De qualquer forma eu falo com ela de imediato." Foram impecáveis. Mas ela não vive em Amesterdão. Vive em Maastricht, a duas horas e meia de comboio. Whatever. O importante era sair mesmo dali.

Apesar de o corpo ainda tremer de nervos, o sorriso já se instalara na cara da portuguesa, que desceu as escadas a 200 à hora, carregada com a mala. Objectivo: comboio e saída duas horas e meia depois. Rápido, que se faz tarde e o perigo começa a pairar mais facilmente com o avançar da noite. Mas eis que uma espécie de milagre acontece: o recepcionista tinha "trabalhado" para a portuguesa e já lhe tinha encontrado um hotel na net, nos arredores da cidade, supostamente próximo do aeroporto. Próximo problema: sem cartão de crédito não dava para fazer reservas na net. Pelo telefone, o preço aumentava 25 euros. Até nisso, o homem estava a ser impecável. Deve ter dado os seus números do cartão de crédito, ou outros fictícios que os hotéis usam nessas manhosices (ele andou a ver num dossier) e estava a reserva feita. Restava ir a correr para estação para não perder o comboio e tentar encontrar o shuttle directo ao hotel. "Muito obrigada pela sua preciosa ajuda e desculpe qualquer inconveniente causado", foi a forma de agradecimento da portuguesa. "Ora essa! Não foi incómodo nenhum. O que eu queria era vê-la bem. Acho que assim é melhor porque o dinheiro que ia gastar na viagem para Maastricht era um balúrdio. Tudo de bom para si."

Finalmente sã e salva?

Já na estação de comboios, era apenas preciso apanhar o transporte para o aeroporto. Só que comprar bilhete nas máquinas estava a ser uma tarefa complicada, senão impossível. As máquinas com opção de inglês não aceitavam dinheiro nem cartão de débito (incrível, tendo em conta que com ess mesmo cartão se levanta dinheiro nos ATM), as que aceitavam dinheiro só "falavam" holandês. Perdido por cem, perdido por mil. "Correndo o único risco de levar uma nega, vou abordar esta holandesa e pedir-lhe ajuda", pensou a amiga. Qual nega, qual quê! A holandesa passou o seu cartão de débito e recebeu o dinheiro da portuguesa. Já dentro do comboio, restava saber em que estação sair (faltaria muito tempo). O único ocupante daquela carruagem era um preto holandês que arranhava o inglês. "What??? airrrrporrrte? I tellli yuuu... Erxcuse miii... I ron't speak verrry well englishh..." Não interessava para nada, desde que a miúda não se enganasse na saída. É que, à noite, todos os gatos são pardos. Sã e salva no aeroporto, antes de descobrir o shuttle e desmaiar de seguida, era boa ideia comprar comida. Sem lanche e sem jantar, estava a ser demasiado. Supermercado do aeroporto. Frutinha, pãezinhos, compotas... Para servir de jantar, pequeno almoço e, quem sabe, petisco do dia seguinte.

Na verdade, via-se gente no aeroporto. Os seguranças expulsavam os sem-abrigo e os olhares que se cruzavam com os da portuguesa eram mais estranhos que o habitual. Uns engatatões, outros frios, outros sem aquecer nem arrefecer. Um frio de rachar. O calor dos nervos já tinha ido embora. E a portuguesa tinha levado roupa para tempo quente porque foi informada de que estaria como em Portugal. Os termómetros holandeses registavam 14 graus, contra os 29 sentidos em terras lusas. Comidinha na mão, tipo mitra, era chegada a hora de encontrar o shuttle para o hotel. À saída do aeroporto, a portuguesa ainda foi abordada por um tipo que lhe quis dar boleia. Supostamente a pagar. Seria um taxista. Ou um angariador de clientes para táxis. "Mas para que hotel vai?" Àquela hora da noite e depois da agitação toda do dia, a portuguesa já não sabia se era sensato dar todas essas informações. Mas lá ia sorrindo, tentado ter um olhar frio, mas mantendo um sorriso nos lábios que lhe permitisse aguentar a aventura até ao fim. No local dos shuttles, olhares masculinos fixavam o da portuguesa. "Devo estar com olhos de meter medo ao susto. Com cara de quem ficou debaixo de um camião. Deve ser por isso que olham para mim", pensava enquanto furava aqueles olhares e procurava o shuttle. Havia uma maquineta engraçada perto de uma das paragens. Era para ligar para os hotéis, todos lá assinalados, e pedir directamente o shuttle. Claro que o destino da portuguesa não vinha lá. Por sorte, o recepcionista que lhe marcou o hotel imprimiu-lhe uma folha com os contactos. Restava pegar no telemóvel e ligar. "OK" (também num inglês de fugir) "espere meia hora na paragem B14". "Merda. B14??? Mas elas acabam aqui e esta é a 13. Próxima vítima das minhas perguntas...", pensava, sentia e concretizava a portuguesa. Era logo ali. Não tinha era bancos ou abrigos. A mala era dura, aguentava os 65 quilos da rapariga. O frio é que não dava para contornar. Meia hora. Quando se começava a sentir infeliz e abandonada, erguia os seus gigantes interiores e gritava para si própria (xiu, só por dentro, para ninguém ouvir): "Forçaaaaaaa!!!! Só falta mais um bocadinho de nada para poderes ter paz!" Trincou umas coisitas que comprou no supermercado e lá viu chegar o shuttle. Um homem de preto, numa carrinha meio velha com nove lugares. Alta velocidade, alto som a ouvir a Shakira e lá foi ela com o motorista e mais quatro hóspedes que, entretanto, apareceram. Parecia que ia até ao fim do mundo. Já no hotel, as portas abriram-se para um quarto com o dobro das dimensões dos anteriores. Só para ela. Ali estava a recompensa. "Quando fazemos o que é certo e estamos sintonizados com a vida, ela dá-nos em abundância", sentiu com felicidade. Acima de tudo, esta mulher sentiu que tinho sido fiel a si própria e que, na realidade, a vida é o que fazemos dela. E não podemos deixar que nada ou ninguém nos perturbe nessa jornada. A televisão não funcionava. O aparelho aquecedor fez barulho a noite inteira, mas a cama era gigante, fofinha e, acima de tudo, o ambiente no quarto era de tranquilidade, paz e muito boas energias ("boa onda", como se costuma dizer). Amanhã seria outro dia. O check-out do hotel era feito logo às 11h da manhã e seguia-se para o aeroporto. O que se faria com uma mala de viagem da mão e a 7 horas de distância do voo de regresso a Portugal? Logo se via. Amanhã pensava-se nisso.

De Regresso a Portugal... finally

A viagem do hotel para o aeroporto foi bem mais relaxante. Também, o espírito era outro. Os campos eram lindos. De noite foi impossível sentir esse cheiro e contemplar essa paisagem. Valeu a pena. Eram 11h30. No aeroporto, havia três hipóteses: 1) deixar a mala numa cabine paga e voltar a Amesterdão; 2) tentar alterar o voo para mais cedo (talvez impossível porque essa era uma das advertências da classe económica); 3) vaguear pelo aeroporto e esperar sete horas pelo voo definitivo. O que faria esta mulher sentir-se melhor? Obviamente, a segunda opção. Porque considerava que tinha aproveitado o principal que Amesterdão lhe podia dar no pouco tempo que lá esteve. Ainda pensou ir de proprósito ao Red Light District, mas ficaria para a próxima vez que a amiga de Maastricht a recebesse. Toca a correr para os balcões da TAP. "Sim, pode mudar o voo. Têm é de pagar um taxa de alteração e pode não ter direito a comida por ter feito a alteração em cima da hora". Que se lixasse o dinheiro e a comida. Quem já tinha gasto o que não devia, bem que podia gastar mais uns tustos e ficar 2h30 sem comer. "Quando é o próximo voo?", perguntou a portuguesa. "É o do meio dia e vinte", disse a senhora do balcão. "Eu vou nesse!", retorquiu a portuguesa com convicção. "Bem, tem apenas dez minutinhos. Isto é muito em cima", começou a dizer a senhora da TAP. "Eu corro, eu consigo!", disse com firmeza e grande determinação a viajante portuguesa. Só não conseguiu cumprir os dez minutos porque, na revista, o senhor do cão que ia à frente teve de tirar o animal da gaiola, mostrar a dita cuja e controlar o cão peludo e branco que abanava o rabo e saltava para as pernas dos polícias. A portuguesa bufava. Pedia ajuda ao polícia. Ok. "É ali pertinho, minha senhora". O caraças! Neste momento, a portuguesa está preparada para a meia maratona. Para chegar à zona de embarque, já com as portas fechadas, e pensar que tinha de se adaptar mais uma vez às novas circunstância. E tinha mesmo. O voo estava atrasado. Podia sentar-se e relaxar porque ainda ninguém tinha embarcado. Além disso, havia uma refeiçãozinha para ela e um jornal PÚBLICO que ela se deliciou a ler. E então? Será mesmo que há concidências? A lição desta salganhada toda ainda não foi tirada totalmente por esta viajante. Mas ela já se permitiu alguma falta de modéstia. Já se olhou ao espelho (quando chegou a seu hotel, perto do aeroporto) e já disse a si mesma: "Parabéns! És uma vencedora!" De facto, isso ela já sabia. Mas é sempre bom que as resistências sejam postas à prova.

Quanto ao ex-amigo... Nem sinal. Ainda tentou demover a sua alegada amiga já estava ela fora de Amesterdão em direcção ao hotel. "Estás a ser parvinha!", ousou dizer o palhacinho. "Não, estou a rejeitar a companhia de um perfeito atrasado mental que ainda tem de beber muito chá para merecer ter ao lado uma mulher como eu", pensou a ex-amiga. E assim acabou a história, que talvez continue numa próxima encarnação.