terça-feira, junho 26

Pensar com Afecto

Eu até nem gosto muito da voz do senhor, nem fui grande admiradora ao longo do tempo. Mas confesso que o Pedro Abrunhosa me tem surpreendido com os discursos, com as metáforas das letras e com a frontalidade que, nos dias de hoje, é um bem tão escasso entre os seres humanos.

Hoje, antes de apresentar o novo disco, Abrunhosa criticou os comportamentos anestesiados das pessoas e das sociedades; o egoísmo; a forma estúpida de querer ter sempre razão que leva a tantos e desnecessários conflitos.

O que faz falta, diz o rapaz, é ter as pessoas a pensarem... mas, sobretudo, a "pensarem com afecto". Ora, isto supostamente seria antagónico porque quando se usa a razão esquece-se o coração... e vice-versa. Mas num mundo de "estranhezas", comportamentos bizarros e contrariedades talvez seja possível misturar tudo e pensar usando também o coração.

Ponto um: as pessoas perdem pouco tempo a pensar. São mais fáceis as ideias fast food e os comportamentos previsíveis. Dão menos trabalho e poucas "chatices".

Ponto dois: a maior parte das pessoas lida mal com os afectos. Enredamo-nos em relações doentias, carentes e pouco maduras. Mas dizemos sempre que é tudo muito a sério e em plena consciência.

Ponto três: deve ser difícil conjugar dois factores (pensamento e afectos) quando não se sabe muito bem do que se trata, nem se lida convenientemente com cada um deles.

Há uns dias, Abrunhosa deu uma entrevista na televisão e perguntavam-lhe se ele não se sentia deprimido depois de escrever aquelas letras que batem na sociedade e metem o dedo na ferida. Ele respondeu que não há como dar a volta se a vida/sociedade/país são assim; há que enfrentá-lo e retratá-lo. E foi mais além: "as pessoas são feitas das relações que tiveram, dos momentos que viveram, das escolhas que fizeram...", etc, etc, etc. Ora aí está! Para quê chorar o passado, martirizarmo-nos com o presente e ansiarmos o futuro se tudo segue o caminho certo: aquele que nos levará a ser completamente quem somos?! Talvez o "rapaz" tenha razão e a solução esteja em pensar com afecto.

segunda-feira, junho 25

Voltar Atrás

Há momentos em que apetece mesmo parar o tempo e fazer tudo andar para trás. Não por insatisfação pelo presente ou incerteza no futuro, mas porque há momentos que temos a noção que não se voltarão a repetir. E não voltam. Nenhum momento será igual a outro; nenhum segundo voltará a aparecer no relógio com a mesma data.

Seguir em frente é isso mesmo: aceitar que tudo tem o seu tempo e que o que lá vai... lá vai. Mesmo que o barco regresse, não voltará na mesma onda. Só por isso, é impossível repetir o irrepetível. Devo dizer que isso me chateia. Há barcos que gostava de poder voltar a trazer... pelo menos com aquela mesma sensação inicial de "boa onda", de aventura sem destino, de navegação surpreendente e, ao mesmo tempo, assustadora pela sua incerteza.

Mas há barcos que já passaram há demasiado tempo e que, por esta altura, naufragaram, aportaram noutras terras ou simplesmente deixaram de navegar. Também se diz que "nada acontece por acaso" e que se o barco partiu, "a razão percebe-se mais tarde".

Não sei se vou alguma vez vou percebê-la, nem se faz sentido querer entrar no mesmo barco tanto tempo depois... mas a melhor forma de lidar com o que sentimos e nos faz falta a cada momento é olhar-lhe de frente. Assumir que nos faz falta... ainda que não haja coragem para mais.

Enquanto espero, penso no barco que já passou (e penso como não faz sentido estar a pensar nele) ... talvez ele dê à costa ou os mares pacifiquem a sua ida definitiva.

terça-feira, junho 12

Que terei eu a ganhar com isto?

Acho que esta é uma das perguntas que muitas pessoas deviam começar por fazer antes de darem passos para os quais não estão preparadas. O que mais me desmotiva nos seres humanos, além da falta de honestidade, é a falta de carácter e a pouca coragem de viver a vida como ela é: nem sempre risonha, nem sempre como gostaríamos, mas em muito resultado das nossas escolhas.

Costumo, com frequência, considerar que o mundo está cheio de pessoas desinteressantes e que, por isso, encontrar oásis no deserto é mesmo um tiro de sorte (ou de se saber muito bem o que se quer). Mais do que desinteressantes - e isso fez-me abrir uma brecha na longa pausa dos blogues para voltar a escrever - o mundo está cheio de pessoas que não sabem o que querem. Por isso é que erram tanto. Aposto o que quiserem em como quem sabe aquilo que quer tem poucas probabilidades de falhar o alvo.

O pior, nisto tudo, é que desinteressante com falta de carácter resulta num híbrido que apetece amolgar e deitar fora. Ao estilo de um rascunho que se escreveu numa folha e que se conclui estar todo errado. Se as pessoas se preocupassem mais com a sua personagem real e deixassem cair as máscaras que colocam para agradar aos outros, talvez fossem bem mais interessantes... Ou, pelo contrário, tão "seca" que nem teriam oportunidade de fazer asneira, pois ninguém iria reparar na sua existência.

É muito bom verificar que, à medida que o tempo avança e a exigência se apura, se utiliza um passador para coar o leite e retirar a nata. A maior surpresa é quando a nata é mais do que pensávamos e sempre esteve lá. O melhor de tudo é olhar para o leite e ver que se diluiu no copo... e que foi necessário atravessar o passador para se fazer a triagem. Odeio pessoas falsas, odeio cordeirinhos que querem agradar aos lobos e ao rebanho. Adoro pessoas que, na sua força de carácter, conseguem escapar a toda e qualquer vulgaridade. Obrigada, meus queridos...