quarta-feira, maio 31

Gajos Giros

Estava eu a tentar trabalhar avidamente quando a minha colega me chama a atenção para uma presença na varanda do prédio de esquina mesmo em frente ao jornal. De braços cruzados, olhar pregado nos carros que passam (julgo eu, porque o chão não consigo ver sentada no terceiro andar), lá está um moço apresentável com ar entediado. Cruza os braços, coloca-os atrás da cabeça, volta a cruzá-los. E nós a brincarmos: "tem um ar triste, deve estar a precisar de apoio..."; "Nã... tem é ar de quem não faz nada na vida para estar ali agora..."; "qual quê... aquilo deve ser um escritório..."; "hmmm... e estava ele ali, a dar bandeira, de braços cruzados??"; "oh! o gajo é giro! imagina-te a viver mesmo em frente ao jornal...". Um fartote de rir, que ninguém percebia a não sermos nós.

Confesso que houve uma parte que me congelou por dentro, qual balde de água fria quando se está entusiasmado. "É giro!" A essa não achei piada. E comecei logo a pensar e pensar (às vezes parece que não sei fazer outra coisa).

OK. Gajo giro se calhar não tem muito a ver comigo... Bem, tive um namorado que era o meu ideal de beleza... Pois, mas tem as gajas todas atrás dele... Quer dizer, se for um gajo "com pinta" sabe o que quer da vida... Pois, mas para ser giro e estar sozinho ou é gay ou está cheio de traumas... Miúda, atina! Aprende com as tuas experiências.

Estes eram os pensamentos que se atropelavam na minha mente. Livra! A beleza, para mim, já começa a ser um critério de selecção. Neste caso, cada vez mais de rejeição. Eu já sabia que ando muitas vezes ao contrário do mundo e faço coisas que poucas pessoas percebem, mas ainda não me tinha apercebido disto. Quando arranjamos novo namorado a pergunta é sempre a mesma: "então... e o gajo é giro??". Pode ser um traste, mas tem a principal qualidade: é giro. E as coisas que se fazem para se manter alguém ao lado que até nos tira do sério e consome a paciência... mas é giro!

Não sei o que aconteceu a este. Virei-me de novo para o computador e, quando voltei a olhar, restava um vazio. Evaporou-se. Parecia magia. Activei o meu alarme contra "gajos giros" e parece que funcionou. Obviamente não estava (nem estou) interessada neste. Achei piada à sucessão de pensamentos. E percebi, mais uma vez, que todos os dias aprendemos coisas novas. Eu aprendi que ando indecisa se quero que gajos giros entrem ou não na minha vida...

terça-feira, maio 30

O Grande Amor da Minha Vida

"Ele/a foi o grande amor da minha vida." Esta é uma frase bonita, nostálgica, romântica, de grande intensidade. Dita assim, de chofre, remete-nos imaginariamente para um cenário no qual um idoso desfia a longa história da sua vida e recorda, com carinho, os bons momentos que viveu. Pois... mas esta frase é vulgarmente dita por pessoas com 40, 30 ou mesmo vinte e poucos anos. E aí perde toda a força que poderia ter se fosse dita num outro contexto. Passo a explicar.

Gostava que alguém me explicasse como é que aos 20, 30 ou mesmo 40 anos pode achar que já viveu os melhores anos da sua (longa?) vida. Não estarão a confundir um grande amor com o amor de uma vida? Parece-me normal que se faça um balanço de toda uma existência numa situação limite ou numa idade em que já não se espere grande coisa. Tenho, até, algum receio que o mal seja mesmo esse: já não esperar nada da vida. Dizer uma coisa destas aos 20, 30 ou mesmo 40 anos é sinónimo de passado mal resolvido, falta de confiança e perda total e completa de objectivos.

Ontem era este o tema do programa "Eles Sobre Elas", da Sic Mulher. Quatro homens a falarem de mulheres, relações e, sobretudo, deles próprios. Fiquei admirada por ouvi-los defender esta teoria. Eles, que pertencem a esse grupo de seres humanos (homens) que já sofreu por amor, que amou demais e que se recusa a voltar relacionar-se para não sofrer ou porque já deu tudo o que tinha a dar. Estes homens surpreenderam-me ao dizerem que há, de facto, grandes amores, mas que, se fecharmos a porta para sempre, podemos estar a perder algo de muito gratificante e quem sabe, esse sim, o grande amor das nossas vidas. Seja como for, só lá bem no finalzinho, quando fizermos o balanço geral, é que podemos atribuir às pessoas esses galardões: "fulano/a foi o grande amor da minha vida". Estes homens inteligentes conseguiram perceber - e transmiti-lo - que nunca se ama da mesma forma porque não há duas pessoas iguais. Logo, quando uma porta se fecha, a janela que a seguir se abre pode ser tão ou mais magnífica e gratificante que a porta que acabou (ou não) de se fechar.

Sim, eu já vivi um grande amor. Sim, eu já achei que era o amor da minha vida. Não, não voltaria a querê-lo agora (porque teve o seu tempo, porque agora não faz sentido). Não, não estou agarrada a ele. Aos 90 anos acho que já estarei pronta para dizer quem leva o galardão, que terá escrito: "Em tom de balanço vos digo... Este foi o grande amor da minha vida." E aí expirarei para sempre...

quinta-feira, maio 25

A minha vaca... e a da vizinha

Num destes fins de tarde soalheiros de início de Verão, estava eu com um amigo e algumas caras novas a ouvir falar da vida, das situações que nunca mudam e das tranformações radicais que ocorrem quando menos estamos preparados. Os raios de Sol entravam pela Confeitaria Nacional, como que a presentear-nos, e a sensação era de relaxamento absoluto, de entrada noutra dimensão. Só as pessoas apressadas a passar na rua me relembravam que estava em Lisboa, num dia de semana, numa época de agitação e transformação pessoal imensa.

Esse meu amigo é terapeuta. Encontrei-o por acaso e aceitei juntar-me a eles para tomar um chá. Claro que aquelas pessoas o procuravam para pedir ajuda. Quem sabe para encontrar ali uma orientação que os ajude a nortear as suas vidas; quem sabe para procurar conforto num chá quente, numas palavras amigas e numa experiência de vida. Antes de ser terapeuta, esse meu amigo teve um grave problema de saúde que o podia ter matado. Aliás, eram essas as previsões dos médicos. Mas cá está ele, prontinho a contar a sua experiência de vida e a mostrar aos outros que se ele conseguiu... qualquer um consegue. Perante isto, palavras para quê?

Uma das pessoas presentes dizia que sempre tinha tido força para enfrentar os problemas da sua vida, mas que agora eles eram mais que muitos e não achava justo. Além disso, olhava para o lado e o mesmo não acontecia às outras pessoas. Então, porquê a ela? O meu amigo riu-se, como se conhecesse bem essa sensação e respondeu: "Nós somos incríveis... A nossa vaca é sempre melhor do que a da vizinha, mas a da vizinha dá mais leite do que a nossa...".

E é verdade. Somos sempre as melhores pessoas, as mais justas, as mais capazes, as que merecemos tudo. Mas na hora da aflição, é só a nós que nos acontecem as desgraças porque os outros devem estar alegres, felizes, com vidas preenchidas e animadas. É caso para dizermos a nós próprios: "Que se lixem os outros. Tenho é de fazer pela minha vida e tentar aproveitar ao máximo o meu potencial."

Ai, ai... Dá que pensar...

domingo, maio 21

A Importância do Sofrimento

A propósito disto, já ouvi várias teorias. Desde "a vida é dura e difícil" até "para aprender não é preciso ser através da dor". Acho que concordo com ambas. Tem dias em que parece que tudo nos corre ao contrário e não há como dar a volta, mas também há alturas em que o caminho mais fácil acaba por ser a própria solução (nós é que complicamos). Seja como for, parece ser um facto que cada vez que sofremos saímos mais fortes. É preciso, porém, aproveitar a dor do momento e transformá-la em algo de proveitoso que nos possa ser útil mais tarde. Há erros que, seguramente, não voltaremos a cometer (a não ser que não tenhamos aprendido a "lição") e outros novos nos quais iremos acabar por cair. Mal seria se toda a aprendizagem de uma vida fosse feita num só momento e num curto espaço de tempo.

Erro atrás de erro, experiência após experiência, vamos dando sentido e consistência a esta oportunidade chamada vida. Às vezes injusta (pelo menos, de acordo com a nossa bitola), outras alegre e entusiasmante. De onde viemos e para onde vamos continua a ser um mistério que muitos tentam explicar de variadas maneiras. Mas será que isso importa mesmo? É certo que a forma de viver pode ter leituras paradoxais consoante se acredite que só existe isto ou se pense que há algo mais para além do aqui e do agora. Por vezes temo chegar a "velhinha" e ter perdido demasiado tempo a entristecer-me com coisas e com pessoas sem ter aproveitado o que devia; outras temo chegar a uma idade avançada e ter andado distraída com coisas supérfluas no exterior que não me deixarão, depois, saber muito bem quem sou e o que fiz aqui. Seja como for, só lá chegando é que o saberei. Que o sofrimento não se torne em amargura, mas em mestre interior de crescimento e felicidade. Que as alegrias não me turvem a vista e me permitam, sempre, saber que a vida tem momentos de sofrimento e eu estarei à altura de recebê-los e resolvê-los com dignidade.

Há um livro interessante (que ainda não tive oportunidade de ler, só folhear) que parece ser o que, na realidade, não é... Chama-se "A Inutilidade do Sofrimento", de Maria Jesus Alava Reyes. Estou a imaginar os mais temerosos a enfrentar a dor a esfregarem as mãos de contentes: "Vês, vês! Afinal, o sofrimento é inútil. É possível viver sem ele!" Maravilha, digo eu. A autora, pelo que consegui retirar do contacto superficial com o livro, diz que as pessoas estão presas a vícios que as fazem permanecer no erro e na dor. Pensamentos negativos, as mesmas atitudes para a adversidades. Ao invés, se aproveitarem o lado bom dos obstáculos e adicionarem uns pozinhos de pensamento positivo (agora e sempre) conseguem transformar um grande problema num incómodo possível de resolver. Hmmm. Um desafio para quem vive descontente e costuma ser uma "vítima" desta vida...

"Maria Jesus Alava Reyes, com mais de 25 anos de experiência no campo da psicologia, reúne neste livro reflexões, pautas de comportamento, exercícios de autocontrolo e testemunhos que nos ajudam a quebrar com o nosso sofrimento inútil e olhar a vida, não como uma tragédia, mas como um presente, cheio de oportunidades, que devemos aproveitar dia após dia."

sábado, maio 20

A Dignidade de Ousar

Navegava eu na Internet quando encalho numa frase magnífica que eu já sei que muitos me vão dizer "Oh, Sofia! Pára lá com isso de olhar para dentro. Sai mas é de casa, bebe uns copos, abana o capacete que isso passa-te". Pois, a mim quer-me parecer que não passa. O que acontece é que se vai ignorando o que realmente se passa, mas isso é outra história. Vamos lá então à frase.

Não nos iluminamos imaginando figuras de luz, mas tomando consciência das trevas - Jung

Depois, dizia o responsável pelo site a propósito da frase: "Isto quererá dizer que só à medida que o homem se expõe repetidas vezes à aniquilação, aquilo que é indestrutível pode surgir dentro dele. Nisto reside a dignidade de ousar."

E, mais uma vez, eu não podia estar mais de acordo. É como se repetidas mortes ocorressem para levar de vez o que já não presta e deixar o que nos interessa para continuar a viagem. Basta imaginar o percurso longo de um coleccionador de pedras. Põe no saco cada pedra que encontra no caminho. A dada altura, não consegue mais andar com tanto peso. E vai ter de começar a largar pedras. Uma escolha difícil, por vezes dolorosa porque se escolheu cada pedra com carinho, mas imprescindível no caso de se querer continuar a caminhada. E lá vai o coleccionador de pedras, pé ante pé, só com as pedras especiais no saco e a apanhar apenas aquelas que realmente lhe possam ser úteis. A dada altura na nossa caminhada, só isso interessa. O círculo das pessoas verdadeiras e boas que nos rodeiam vai-se apertando, apertando. Porque, se formos inteligentes, ficamos cada vez mais exigentes e não desperdiçamos tempo que vale o seu peso em ouro. Mas, como em tudo na vida, há sempre a outra face da moeda. Há quem prefira ir avançando com todas a spedrinhas pequeninas que encontra, sem perder tempo a contemplá-las e a dar-lhes valor. Avança, avança, sempre distraído, sempre a iludir-se. O que me entristece pensar é que um dia o peso será tanto que esse "peregrino" vai ser obrigado a sentar-se e a deitar fora pedrinhas. Mas já serão tantas e tão misturadas que a confusão irá ser aterrorizante. Por outro lado, também entendo que muitos podem não ter agora o "arcaboiço" para tomar consciência das suas próprias trevas e fazer-lhes frente. Por isso vão vivendo à média luz...

sexta-feira, maio 19

A Treta do "És Especial..."

Anteontem li, com gosto, um texto num blogue amigo (http://cafedesconcerto.blogspot.com/) sobre a célebre expressão de engate "és especial". Dizia a autora, que ouvia os problemas sentimentais de uma amiga, que ficou fula ao perceber que ela vacilava porque o seu amado lhe dizia "és especial", apesar de não fazer nada para lhe mostrar isso mesmo. E achei uma delícia esta frase: "Porra, mas estes gajos ainda não perceberam que esta está batida e que, muitas vezes, não é necessário usar esta foleirice para levar uma gaja para a cama?" Devo confessar que comecei por rir com gosto, mas que depois comecei a reconhecer algumas cenas do filme da minha vida e fiquei a pensar. Por acaso eu acho que sou especial e que mereço muito (como acho que todos devem pensar isso de si próprios e, por isso, exigirem qualidade), mas esta frase que ouvimos com frequência está tão gasta que já não acredito nela. Tenho quase a certeza que, por ter ouvido isto tantas vezes e sem sentido, deixei de acreditar na sua força e veracidade. Perdoem-me os que estão a ser sinceros.

De qualquer forma, parece-me bem mais interessante mostrar por actos a uma pessoa que ela para nós marca a diferença e é especial. Ficam em desvantagem os menos criativos e corajosos e perdem terreno os "galifões" idiotas que circulam por aí. E são tantos! Depois ouvimos os homens queixarem-se de que as mulheres são "tramadas" e que passam velozmente do amor ao ódio. Deixem-me relembrar-vos que a parte do amor é aquela em que acreditamos nas vossas mentiras (que, nessa altura, ainda não o são para nós) e a do ódio é a parte em que finalmente descobrimos que nos andaram a mentir. Digam lá sinceramente: se descobrissem isto não se passariam também?

quinta-feira, maio 18

Ai os Morangos...

Hoje à entrada do metro aceitei um jornal gratuito que por aí anda em circulação e foi com grande espanto que fiquei a saber de uma nova moda causada pelos "Morangos com Açúcar" e que não sei se me deixa perplexa ou preocupada. Para quem não segue a história (por motivos profissionais sou levada a ler as sinopses da novela), os alunos do colégio apanharam uma intoxicação alimentar e foram parara ao hospital. E parece que a ficção se misturou com a realidade e, quem sabe num gesto de solidariedade, dezenas de alunos de duas escolas dos arredores de Lisboa deram entrada em serviços hospitalares com queixas da mesma maleita. Só que os médicos não encontraram nada. Há mesmo médicos que dizem que este fenómeno teve a ver com a série que a TVI transmite.

O que me causa perplexidade é o facto de duas turmas terem, de repente, sentido sintomas de doença. Terão os "Morangos" assim tanto peso de forma a levar dezenas de adolescentes para o hopsital? O que me causa preocupação é se, de facto, os "Morangos" têm assim tanta importância. Assim sendo, era de grande inteligência que os autores da história colocassem os actores a ler uns livros depois das aulas, a debaterem temas de interesse público, a reunirem-se para participar em eventos culturais... Esse tipos de coisas que todos gostávamos que existissem em peso na sociedade e que, quando temos uma oportunidade de luxo de orientar as massas, desperdiçamos. Ora experimentem pôr os actores dos "Morangos" a limpar florestas e a incentivar a sua limpeza. Será que este ano vamos deixar de ter incêndios? A ver vamos o que se segue neste fenómeno de encantamento.

sábado, maio 13

A Teoria do Espelho

Há coisas e pessoas que me irritam e de que maneira! A tendência mais natural é achar que está tudo errado, que são pessoas estúpidas e sem coração (de outra forma não se davam ao trabalho de magoar os outros com as suas frases mal medidas). Pois tenho dado comigo a atrair gente "estúpida" e a agradecer-lhes sinceramente o facto de terem tropeçado no meu caminho. É que em vez de as julgar e acusar devia, pura e simplesmente, perguntar com humildade: "De que forma esta pessoa/ situação/ atitude me afecta?" E a resposta não é mais do que aquilo que se está a passar comigo em cada momento. Se estivermos equilibrados, aposto em como nem o maior palerma à face da terra nos vai causar transtorno com as suas palavras mal medidas e os seus actos irreflectidos.

Era bom conseguir ter, todos os dias, a humildade necessária para reconhecer que o mal não está nos outros, mas naquilo que eles vêm activar em mim de doloroso. E, já agora, a coragem de perguntar em que medida estou a ser afectada e porquê. Por acaso, acho que até sei a razão. Só não me apetece mexer nela. Hoje não. Quem sabe amanhã ou noutro dia. Mas o mais curioso é que eu também sei que, enquanto não remexer neste lixinho, vão aparecer mais e mais das tais pessoas "estúpidas" que me vão obrigar a parar e a agir. É assim a teoria do espelho...

sexta-feira, maio 12

Cada um por si... mais e mais

Numa entrevista que fiz ontem, o meu entrevistado (que mora em Portugal, mas é britânico) dizia-me que a sua experiência de terapeuta em vários países lhe diz que os portugueses estão cada vez mais a perder o espírito de grupo. Perguntei-lhe se teria alguma coisa a ver com a crise que se instalou por estes lados e com as consequentes desmotivação e desconfiança das pessoas. Ele disse-me que, pelo que tem visto, não tem nada a ver com isso, mas com uma sensação de solidão e de vergonha de se admitir fraquezas.

As pessoas sentem-se sós, desenraizadas, algo perdidas. Mas têm medo de partilhar o que lhes vai na alma para não darem parte fraca. Andamos, pelos vistos, todos a padecer do mesmo. Só que cada um para seu lado. O meu entrevistado também me disse que os livros de auto-ajuda começaram a ter efeitos perversos. Tornaram-se escapes e soluções milagrosas para quem acha que consegue fazer tudo sozinho. Deviam ser pequenas muletas e pozinhos de "iluminação" (tipo guias que, eventualmente, nos podem ajudar a escolher por onde ir num determinado momento). Mas passaram a ser bíblias de como curar a vida, ter o relacionamento perfeito, aumentar a auto-estima, etc, etc. Pelo caminho, fica a oportunidade única de ouvirmos os problemas dos outros (e percebermos que, afinal, não estamos sozinhos) e, com eles, estabelecer relações de identificação e formarmos o tão desejado "espírito de grupo".

terça-feira, maio 9

Lidar com o poder

Lidar com o poder nem sempre é fácil para quem o detém. Sobretudo se for inseguro ou se tiver consciência de que o seu poder é grande e pode levar a perda de controlo. Os resultados desta má ligação ao poder é que são verdadeiramente desastrosos. Muitas das pessoas que temos em cargos de chefia chegaram lá sem mérito próprio e são, por isso, evidentes maus líderes. O problema é que acabam por prejudicar o trabalho dos seus subordinados. Tornam-se intolerantes, incompreensíveis e, quase sempre, de uma enorme arrogância. Esta última serve para taparem o vazio que neles existe, o medo de não serem capazes ou reconhecidos. Pena é que ainda não se tenham apercebido que o verdadeiro poder vem da certeza e da aceitação de quem somos. O poder exterior, esse, é passageiro e morre quando menos se espera.

O que tenho observado em redor é que alguns desses líderes (não inatos, mas forçados) nem sequer concluíram os estudos, são extremamente desorganizados, não sabem trabalhar em equipa e abusam do poder que lhes foi conferido. Se sentem esse poder ameaçado, tornam-se "lambe-botas" dos respectivos superiores, fingem trabalhar como nunca se viu e gritam para mostrar que estão no comando das operações. Quando reparo nisto, rio-me por dentro. Rio porque percebo o mecanismo. Porque sei que eles estão cheios de medo. Porque me dá pena sentir que estão desorientados. E essa talvez seja a maior tristeza de um ser humano: não saber quem é, andar a dispersar-se sofregamente em busca de um sentido de vida.

Líderes verdadeiros conheci poucos, mas recordo um que me fazia mudar de opinião e reconhecer que estava errada com um sorriso nos lábios e sem nunca alterar o tom de voz. Tinha inteligência emocional, que tanta falta faz a cada um de nós.

sábado, maio 6

Os Homens de 30


A crise parece ter-se generalizado no universo masculino. Já se ouvia por aí dizer que os homens de 30 andavam com problemas, mas parece que agora é mesmo garantido. Que o digam os psicólogos que cada vez mais recebem homens desta faixa etária a precisar de ajuda. Não tenho nada contra psicólogos (antes pelo contrário, se isso nos ajudar a conhecermo-nos melhor) e muito menos contra quem procura ajuda de um técnico. Parece-me, até, muito bem que os referidos homens reconheçam que há algo com eles que não bate certo. O pior é que, pelo que se diz, não é assim de tão fácil resolução e pode ter repercussões graves na taxa de natalidade.

Dito por uma especialista na matéria, parece que há cada vez mais tendência para estas "personagens" do sexo masculino terem medo das mulheres e evitarem compromissos. Primeiro que tudo, a causa está numa ausência de padrão de referência do femininio quando eram crianças. A geração das mães dos homens de 30 foi a primeira a confrontar-se com a emancipação da mulher a um nível profundo. Teve de lutar para ser reconhecida, trabalhar arduamente e ir avançando na vida à custa da afirmação profissional (que traz consigo independência pessoal). Resultado: os filhos ficaram relegados para segundo plano, foram criados por amas, irmãos mais velhos ou colocados nos infantários. Ter a imagem de MÃE tornou-se distorcido para estes futuros homens. E, como é natural, todos tememos o que não conhecemos. Não crescendo eles a conhecer as verdadeiras características de uma mãe/mulher, fogem agora das suas potenciais companheiras (que palermas! Dou-lhes o desconto por saber que parte desta tendência é inconsciente e irreflectida).

Pelo caminho vão levando por tabela as mulheres entre os 25 e o 35 anos (mais coisa menos coisa), que se relacionam com homens mais velhos do que elas. Além do mais, estes homens de 30 ou são solteirões, ou vêm cheios de traumas ou, pura e simplesmente, já desistiram de partilhar a sua vida com alguém. Em resumo, torna-se desnecessário lutar por causas perdidas. O carácter das pessoas não muda, nem a personalidade de base. Podem existir alguns ajustes e melhorias, mas nunca mudanças radicais. Desista-se, portanto, de "salvar" estes meninos. Mas também não se pense que se é o "patinho feio" porque ninguém da nossa idade gosta de nós. A solução parece simples: procurar noutro lugar (se bem que estas coisas não se procuram, encontram-se) ou esperar que algum deles acabe a psicoterapia a que se submeteu (para isto é preciso coragem, por isso é uma hipótese de solução bem menos provável). Já agora, para eles fica um recado: as mulheres de 30 (apeteceu-me este número, parece-me uma idade bonita) também têm um passado, também já se magoaram e também criaram vícios ao viverem sozinhas. Não são, portanto, os homens de 30 as vítimas de uma vida inglória e muito injusta no amor. No que toca ao Amor e à Guerra é preciso alistar-se, estar disponível, e depois tentar utilizar as armas que temos ao nosso alcance. Esperam-se, portanto, dias mais prósperos e as rápidas melhoras dos homens de 30.

quarta-feira, maio 3

"Se puderes olhar, vê. Se podes ver, repara."




A contracapa do livro "Ensaio Sobre a Cegueira", de José Saramago, tem esta frase fabulosa: "Se puderes olhar, vê. Se podes ver, repara". O próprio livro é uma metáfora a quem tem visão e não consegue - ou se recusa a - ver. Um pouco aquilo que fazemos em diversos momentos da nossa vida e em situações específicas. É mais fácil fingir que não se vê ou, vendo, tentar ignorar o que se está a ver. Se conseguirmos aguentar o que estamos a ver, é interessante tentar reparar naquilo em que estamos focados. E isto implica sentir o que nos rodeia, percebê-lo e deixá-lo entrar no nosso mundinho. Se não tiver interesse e ocupar espaço, largamo-lo e deixamo-lo ir. Se for, de facto, importante para a nossa vivência, é mais uma experiência que se ganha, mais uma aprendizagem que se acumula.

Aqui se incluem situações, mas também pessoas. Aos 15 anos queremos ter um leque alargado de amigos, antes de nos começarmos a desiludir com o mundo e com as pessoas que nos rodeiam. A partir dos 20 e tal, já prestes a enfrentar uma realidade competitiva, percebemos que temos de apertar o cerco e contar com menos pessoas do que desejaríamos. Profundamente magoados em algumas situações, a caminho dos 30 já começamos a seleccionar quem queremos mesmo ao pé de nós. E por aí fora. Até chegarmos à idade dos nossos pais, com poucos amigos e o grande apoio na família nuclear. Parece um discurso derrotista, tido por pessoas desiludidas com a vida. Em primeiro lugar, não há memória de alguém se ter desiludido sem que se tivesse iludido primeiro. Depois, pode ser uma questão de olhar, ver e reparar. Quando incluimos alguém na nossa vida, nem sempre reparamos no essencial. Ficamos extasiados com a boa aparência e vemos na outra pessoa sinais e qualidades que não existem. Quando reparamos que nos enganámos, sentimo-nos traídos e desanimados. Ao invés, damos menos oportunidades a quem não nos salta logo à vista e nem sequer ligamos ao que têm para nos dar. É assim o mecanismo. É assim o início dos equívocos.

Já prometi a mim mesma (sim, eu também tenho ilusões) que vou passar a REPARAR no que me rodeia. Costumo olhar e habituei-me a ver, mas nem sempre reparo no que é essencial. E, claro está, o que é essencial para mim não será para muitos outros...