quinta-feira, agosto 31

O fim da "silly season" e o regresso da estupidez humana

Designa-se por "silly season" aquela época do ano em que os media dão notícias que não interessam a ninguém, mas não há mais nada a noticiar porque o país pára e os protagonistas das grandes histórias vão de férias. Nota-se que a "silly season" acabou porque deixaram de se repetir programas, deixou de se dar a notícia da velhota que se esqueceu da carteira no supermercado e os protagonistas voltaram. Ou seja, os palhaços estão de regresso ao circo. Este país não existe! Trabalhei Agosto inteiro e noto que, a um dia do seu término, a estupidez voltou em peso. Hoje, então, foi um dia prodigioso em notícias do arco da velha.

O "caso Mateus" foi, sem dúvida, a palhaçada da "rentrée". Há uma semana, quase se podia ter feito um mini-torneio no Estádio da Luz se tivessem comparecido a equipa da casa e as três que reclamavam um lugar na I Liga. Depois da verborreia do costume de alguns dirigentes com a mania que são heróis nacionais (tem graça: assim de repente, veio-me à mente o Major... esse Valentão), proliferaram os debates em torno de uma questão que os tribunais e os intervenientes deviam ter vergonha de ter deixado acontecer. O Belenenses lá se mantém entre os melhores. Vá lá! Ainda pensei que abrissem mais 2 vagas na I Liga só para evitar chatices (mesmo que tivesse sido decidido previamente o número de equipas participantes). Numa coisa concordo com os comentadores desta vergonha nacional: isto denota bem a crise em que a nossa Justiça está enterrada.

Depois eis que vejo, com espanto, uma notícia sobre as Oficinas de São José, onde estavam os jovens envolvidos na morte do transexual Gisberta. Aparentemente, as funcionárias que agora foram despedidas já tinham denunciado os maus tratos infligidos às crianças. Mas foi com mais espanto ainda que ouvi as declarações de um senhor padre que disse que tinha conhecimento de alguns "problemas" a nível de higiene e "relacionamentos entre as pessoas", mas que há que dar o desconto porque as 180 instituições do género existentes em Portugal são uma bênção para as crianças. Ora porra! Uma criança, sem culpa de ter nascido, é privada do carinho e do amor sincero e gigante de uma família dita "normal", é enfiada numa casa com mais uma data de gente, leva pancada, é violada, não tem referências e ainda deve estar agradecida. Que bela merda de país este que temos! Mete-me nojo ver os senhores padres condenarem com veemência o sexo antes do casamento e as meninas que não chegam virgens ao "grande dia" (eu sei que alguns já não defendem isto, mas são os mais novos) e a acharem normal que, na fase mais importante de crescimento e desenvolvimento da personalidade de um ser humano, se cometam uns "errozinhos" desta índole. Palhaços! Os senhores também são uns palhaços que este Estado LAICO (LAICO, sublinhe-se) venera e faz continência. Já para não falar na morte, segunda-feira, do director das Oficinas. De acordo com a PJ, tudo indica que tenha sido suicídio. Desespero por ter falhado na educação dos jovens que mataram a Gisberta ou culpas no cartóriopor algo de muito feio que se pode passar lá dentro e que há probabilidades de se tornar público? Não sei, nem quero saber. Agora também não parece justo levantar suspeitas sobre quem morreu.

A última não é melhor do que estas, mas também não lhes fica atrás. Na Amadora (eu percebi que aquilo era na Azinhaga dos Besouros), "limparam" umas barracas e houve pessoas que ficaram sem casa. Ok, é lixado. Mas bolas mais uma vez! A senhora que foi entrevistada, revoltada, não era portuguesa e ainda se dignou a gritar que a vida neste país era uma tristeza porque lhe tiraram a casa e não lhe dão outra, porque a tratam mal, pior do que um cão. Oh minha senhora: eu SOU PORTUGUESA, PAGO IMPOSTOS, TRABALHO QUE NEM UMA CADELA (mesmo assim parece que estou na categoria de ser mais bem tratada do que a senhora) e ninguém me dá casa! Pelo contrário, fazem-me pagar ao banco a mensalidade da hipoteca, os seguros e o imposto sobre o imóvel. Exige-se respeito por quem, na verdade, é obrigado a contribuir para que este país saia da merda e que ainda tem de apanhar uma depressão por ver que o seu esforço não leva, rigorosamente, a lado nenhum.

Afinal ainda havia uma última: O Independente MORREU! É triste ver como acabou um jornal que em tempos foi inovador e bastante incómodo. O pior é que morreu de doença prolongada e todos assistimos à sua crecente degradação...

quarta-feira, agosto 30

A intimidade implica coragem

Recomendo uma entrevista que o DN publicou na sua revista Notícias Magazine, de 20 de Agosto, ao sexólogo e psiquiatra Francisco Allen Gomes. Quando se fala de sexo, muitas coisas nos passam pela mente e muitas mensagens e propostas proliferam à nossa volta. O interessante desta entrevista é que Allen Gomes alerta para o facto de, perante esta aparente "liberalização" da sexualidade e de tudo o que ela envolve, as pessoas continuarem a ser infelizes na sua vida sexual.

Isto, por um lado, porque o que as revistas apregoam como sendo o "normal" pode não ser o essencial e o melhor para cada pessoa. Por outro lado, muitas vezes as pessoas deixam de investir no conhecimento e no "explorar" do outro, do seu corpo e do seu prazer porque sempre ouviram ideias pré-concebidas de como deviam fazer e comportar-se.

A parte que eu acho mesmo interessante desta longa entrevista é quando o sexólogo diz que o segredo de uma boa vida sexual é a criatividade. E que, ao contrário do que possa parecer, isto não significa recorrer a todas as "inovações" que os media sugerem e apresentam. Diz ele que "para haver criatividade tem de haver intimidade". E a intimidade é "verdadeiramente perigosa" porque implica o baixar as defesas, o fragilizar-se perante o outro, o deixar o outro chegar a si e nós a ele. Ou seja, se houver mal intencionados pode também haver vítimas desta entrega. "Portanto, é uma coisa que implica muita coragem", conclui Allen Gomes. Continua dizendo que é a partir deste ponto, desta entrega, que o casal descobre "um mundo de sexualidade muito rico, mas muito difícil de descrever".

Um mundo que, grande parte das vezes, a própria pessoa desconhece. Porque não se entregou, porque não explorou, porque não se deu ao trabalho de conhecer. Até porque essa criatividade que conduz à intimidade implica "transgressão". O ir além do que é suposto, do socialmente explicado e padronizado. É um entrar no universo do outro e deixar que o outro entre no nosso mundinho, que tem coisas belas e fortes, mas também tem fraqueza e fealdade.

Allen Gomes defende, ainda, que vai chegar "o tempo da vagina". Uma altura em que o rápido processo erecção/ejaculação que domina o universo masculino - e que é o comportamento sexual desde há séculos - dá lugar a um conhecimento do órgão sexual feminino que permite tirar mais proveito dele (com as mulheres a exigirem que lhes dêem atenção e a ele se dediquem como elas sempre se dedicaram ao pénis e ao capricho dos maridos/amantes/namorados).

Para rematar, uma ideia que pode estar também na origem desta falta de entrega e de aposta na intimidade: "As pessoas têm medo. Quando comecei a fazer terapia sexual lembro-me de uma senhora me perguntar: 'Ó senhor doutor, e não há o perigo de depois ser de mais?'Ou seja, o que me acontece quando eu libertar tudo o que tenho dentro de mim?" Who knows?!

Libertação do passado

No meio da papelada - que folheio e releio para fazer um trabalho - encontrei um pequeno texto sobre o passado e a forma como o podemos tornar presente cada vez que o recordamos ou revivemos. Sem mais demoras, aqui vai o que há pouco encontrei:

"Ficar agarrado a experiências vividas no passado, determinantes em termos de crescimento, mas em que alguém nos magoou, é permitir que esse alguém continue a magoar-nos repetidamente. Neale D. Walsh chama a essas experiências "pensamentos ou emoções pendentes" E nada há que mais nos prejudique rápida ou profundamente o organismo. Em geral, é a partir dos nossos pais que começamos por construir a nossa identidade. Depois, sobretudo através de relações apaixonadas. No decorrer desse processo, há dores que vão ficando esquecidas. Feridas que poderão infectar-nos interiormente. E o único remédio para isso não acontecer é começarmos por perdoar a quem, em tempos, nos magoou."

in Revista Xis, 27/12/03

terça-feira, agosto 29

O mais certo, mas por linhas tortas

Tomei hoje conhecimento de uma situação de perda que envolve alguém de quem gosto muito. É triste quando tudo aquilo em que acreditávamos e pensámos ser seguro se revela, afinal, uma grande ilusão (e consequente desilusão). Há momentos em que parece que o mundo se vira contra nós e Deus (ou o que existe no lugar dele) nos abandonou.

O que fazer quando se vai o emprego, a casa, a família e o namorado? Pois... fácil não será certamente. De uma forma fria e analítica (própria de quem não está a calçar esses sapatos), dá para pensar que às vezes é preciso batermos mesmo no fundo para vir ao de cima de forma renovada e muito mais intensa. Dá, também, para pensar que muitas vezes nos recusamos a "deitar fora" pessoas e acontecimentos que só nos prejudicam, mas aos quais nos habituámos e temos dificuldade de abdicar. E, quando assim é, a vida encarrega-se de, de forma bruta e por vezes trágica, nos relembrar que aquilo não era o melhor para nós. De facto, há pessoas que não valem mesmo a pena, logo, nem merecem que gastemos as nossas lágrimas em lamentações. Apetece dizer: "Obrigada por seres a merda que és! Assim deixaste-me caminho livre para que, por linhas tortas, o melhor venha ter comigo!".

Mas estou triste por haver pessoas tristes (que mereciam um murro em cheio na cana do nariz) e outras que sofrem ao máximo neste momento.

segunda-feira, agosto 28

Tudo o que temos cá dentro... fora se percebe

Há muito que ouço dizer que as pessoas que nos rodeiam e as situações das nossas vidas não são mais do que espelhos (imagens reflectidas, portanto) de tudo o que temos dentro. Um exercício interessante, que me ensinaram, é tentar perceber de que forma uma pessoa que nos irrita nos está a tirar do sério. Às vezes é um comportamento que também temos e rejeitamos; outras uma atitude que gostaríamos de ter, mas não conseguimos... ainda. Isto porque eu acredito que estamos em constante evolução e que aquilo que invejamos nos outros (ou detestamos) são comportamentos e características que temos em nós. E que, como tal, podemos eliminar (se for mau) ou desenvolver (se for bom).

É como no amor, por exemplo. Imaginem-se situações em que uma pessoa sempre teve amores "falhados" (nunca são, na verdade, mas a sociedade assim os designa), mas consegue sonhar com um relação gratificante. Porém, não acredita que algum dia isso lhe venha a suceder porque, como sempre falhou, irá falhar mais e mais uma vez e não vai ser capaz de proporcionar(-se) essa experiência. Pois eu acho precisamente o contrário. Quando desejamos muito é porque, de alguma forma, aquele registo está gravado dentro de nós e podemos a ele ter acesso. O truque, dizem os entendidos, está na atenção que se põe nos pensamentos e no sentir. Se nos focarmos no falhanço, na frustração, é evidente que é isso que atraímos porque passaremos ao lado de tudo o que é bom. Se, no entanto, a nossa atenção e as energias estiverem voltadas para o que é positivo (mesmo que o registo que tenhamos seja no âmbito do sonho e do desejo), é pouco provável que as desgraças se continuem a repetir. Para já, porque a disposição muda, a energia começa a fluir com mais ritmo e de forma positiva, e a nossa lupa volta-se apenas para quem (ou para o quê) nos parecer que pode estar à altura da concretização desse desejo.

Ufa! Há dias em que parece que as palavras se enrolam na minha mente, tropeçam na língua e empancam na ponta dos dedos quando quero escrever... Mas, também, o relevante do processo criativo é dar liberdade à alma de se exprimir como bem entender, sem precisões gramaticais ou pontuação nos locais certos...

domingo, agosto 27

Quem dirige a minha vida?

Descobri esta pergunta num dos muitos mails de desenvolvimento pessoal que costumo receber a anunciar palestras, workshops, cursos, etc, etc. Confesso que tenho uma queda para estas temáticas. Não pela vertente que algumas pessoas pensam de "solução fácil para todos os problemas", mas precisamente pelo contrário. Olhar para dentro dói, é um processo que pode ser complexo e não uma solução rápida, exige coragem e determinação e é um caminho sem fim à vista porque assim que achamos que já resolvemos tudo há sempre algo mais que precisa de ser resolvido.

Esta questão - que é apenas o título de um workshop de uma brasileira que virá a Lisboa em breve - eu já a fiz muitas vezes a mim própria e, quando me irrito comigo e com as pessoas que me rodeiam, volto a fazer: "Oh! Mas afinal quem é que comanda a minha vida???". E, se há uns anos a resposta seria rodeada de interrogações e incertezas, hoje não tenho a menor dúvida: "SOU EU!". Sempre e em qualquer altura. Eu decido se o que estou a viver me está a magoar ou a fazer feliz, logo, eu decido se quero perpetuar esse sofrimento ou se me quero libertar; eu decido se quero que as pessoas continuem a dar palpites e a meterem-se na minha vida; eu decido se me apetece fazer isto ou aquilo; eu decido, eu decido, eu decido...

É evidente que a influenciar essas decisões estão as pessoas que amamos, respeitamos e que queremos ao nosso lado. Só que a diferença é que este "influenciar" é no bom sentido, na medida em que quem está ao nosso lado nos dá a liberdade de sermos quem somos e de, devido a isso, fazermos as nossas opções para que não nos sintamos sufocados e infelizes. E, de uma forma natural e muito reconfortante, acabamos por ter sempre em conta que não queremos magoar quem amamos. Quanto mais não seja porque quem amamos teve a grandeza de nos deixar ser quem nós somos e, em consequência, acabamos por fazer escolhas e dirigir as nossas vidas tendo isso em atenção.

Portanto, cada um de nós devia dirigir a sua vida, mas como ama e é amado, acabará sempre por ter em conta as pessoas que merecem respeito e consideração. Este processo natural contraria os que pensam que as pessoas que dizem que comandam as suas vidas são egoístas, auto-centradas e não respeitam os outros. Pode-me apetecer muito desaparecer de repente, isolar-me do mundo e fazer a minha própria vida. Mas se quem estiver a meu lado ou depender de mim (os filhos, por exemplo) me amar e nunca me tiver feito qualquer exigência no sentido de eu ser aquilo que não sou, essa vontade de espairecer pode até continuar, mas a decisão final terá sempre em conta, também, a sua felicidade e necessidades.

quinta-feira, agosto 24

Pessoas interessantes e o princípio da incerteza

Eu sempre disse que achava que o mundo tinha poucas pessoas interessantes. À medida que vou avançando na idade (não sou velha, nem nada que se pareça, mas já não tenho os sonhos e as ilusões de outros tempos... Tenho outros, talvez piores e mais desconcertantes), consigo aumentar o meu descontentamento em relação às pessoas. Parece que tudo tem padrões e regras para acontecer e para ser aceitável. O que escape a isso é a excepção, o erro, a aberração. Sejam aspectos físicos, atitudes, comportamentos ou tão somente filosofias de vida (daquelas muito próprias que até podem nem interessar para nada, mas são o que nos define e torna especiais e únicos).

Pois eu nunca achei que algum dia ia saber quem sou, o que aqui faço e o que quero para sempre fazer. Viver sempre foi uma aventura diária, muitas vezes tortuosa, mas que me deixou o gostinho especial da incerteza. O que hoje é verdade, amanhã pode ser mentira. Para o bem e para o mal. Então resta aquele friozinho na barriga que nos assola quando temos medo do desconhecido. Esse mesmo frio que nos leva a inovar (ou tentar inovar) sempre e a não baixar os braços perante o que quer que seja (adversidades ou fases prósperas).

O que me irrita é ver que há muita gente a viver o que "é suposto" porque não tem pachorra para inovar, criatividade para ser diferente e, acima de tudo, ousadia para ser aquilo que é.

Apesar de achar que há um mínimo de nós que devemos conhecer (para nos enraizarmos, para sabermos mais ou menos por que caminho seguir, para nos deixarmos levar por este ou pelo outro caminho, etc, etc, etc), gostei de ler esta citação num blogue amigo. Aqui fica. Isto, para mim, é bem capaz de ser a definição que procurava mas que nunca encontrei de "pessoa interessante".

"Don't feel guilty if you don't know what you want to do with your life. The most interesting people I know didn't know at 22 what they wanted to do with their lives,
some of the most interesting 40 year olds I know still don't."

"Everybody's Free (to Wear Sunscreen)"
Mary Schmich
"Chicago Tribune"


O blogue é http://cafedesconcerto.blogspot.com/

quarta-feira, agosto 23

E depois... uma agradável surpresa

É normal para mim, num trabalho de emoções fortes, levar um soco no estômago e começar a pensar em várias coisas na minha vida (ou nas dos outros, normalmente nas vidas das pessoas que acabei de conhecer e com quem estive a trabalhar). E parece que quanto mais entramos em desespero e em desânimo, mais coisas desesperantes e desanimadoras acontecem. Estive quase, quase, a perder uma surpresa que eu queria muito receber. Estive quase, quase, a desesperar porque ia perder essa surpresa. estive quase, quase, a desanimar por, de vez em quando, tudo me correr ao contrário.

Enquanto tentava evitar isso, reclamava comigo mesma por ter uns dias (poucos, confesso) em que parece que quase nada acontece e outros em que tudo se acumula e eu quase não tenho capacidade para fazer-lhes frente. O que vale, é que há pessoas e situações surpreendentes. Pessoas que nos salvam o dia por aquilo que são e pelo que têm a coragem de fazer por nós. E assim, um dia que teria sido uma verdadeira merda (pela intensidade do trabalho - que adorei, mas que me deixou triste; pela sensação de dependência porque tinha o carro a reparar; pela impotência de não conseguir fazer tudo ser controlado por mim de forma a acabar o dia em beleza; por, mais uma vez, me ter deixado tocar pela história de vida de alguém, etc, etc, etc..) rematou com um inesquecível momento. Daqueles que, mesmo que as fotos se queimem, as pessoas desapareçam ou o mundo deixe de ser o que é... ficará guardado para sempre e de mim ninguém o conseguirá roubar.

Quando o que temos cá dentro é tudo o que resta

Ontem foi, de facto, um dia de emoções fortes. Devido a um trabalho confrontei-me com uma história triste de alguém que perdeu tudo o que tinha num incêndio. Ganhou uma casa nova, é certo, mas perdeu no fogo os sonhos da juventude, o esforço de horas de trabalho (pois foi ele que há 50 anos construiu a pulso tudo o que perdeu), muito investimento afectivo e todos os registos que, agora, só a imaginação lhe pode trazer.

O que mais me impressionou naquele homem forte - que apenas se mostrava frágil pelos olhos rasos de lágrimas quando revivia a tragédia - foi o sorriso que conseguiu sempre manter ao longo das horas de conversa. Mais do que isso, o que me impressionou mesmo foi o facto de conseguir gracejar de cada vez que se recordavam as tradições do passado: "pois, dantes a gente usava muito o burro. Mas burros ainda há muitos! E eu de vez em quando sou um deles...".

Senti-me muito pequena diante da humildade e grandeza daquele homem. E burra. Burra por reclamar muitas vezes com as perdas que tenho (todos temos ao longo da vida, em várias vertentes) e que em nada se assemelham às daquele senhor. Depois também pensei que, na realidade, as coisas que valem a pena e acabam por ficar nas nossas vidas ninguém nos pode tirar. No caso do senhor Manuel, foram-se a casa, os animais, as vinhas, as fotografias e todos os registos materiais do passado. Mas ficaram um sorriso de fazer inveja a muitos e a capacidade de, aos 76 anos, recomeçar do zero uma vida que construiu com muito suor e esforço. Além de coragem evidente, é preciso uma enorme humildade perante a vida... para poder colocar a hipótese de que, se calhar, poucas coisas nos pertencem mesmo e muito pouco resta que nos seja possível controlar e manipular. E eu nisso, reconheço, sou muito pouco humilde...

segunda-feira, agosto 21

A Coragem - segundo Oscar Wilde

"O objectivo da vida é o desenvolvimento próprio, a total percepção
da própria natureza, é para isso que cada um de nós vem ao mundo.
Hoje em dia as pessoas têm medo de si próprias. Esqueceram
o maior de todos os deveres, o dever para consigo mesmos. É
verdade que são caridosas. Alimentam os esfomeados e vestem
os pobres. Mas as suas próprias almas morrem de fome e estão
nuas. A coragem desapareceu da nossa raça e se calhar nunca
a tivemos realmente."

Oscar Wilde, In O Retrato de Dorian Gray

sexta-feira, agosto 18

À espera do amanhã ou do passado que já não volta

Hoje foi um dia próspero em mensagens. Tem graça como, de fontes diferentes, conseguimos receber mensagens que nos levam a reflectir sobre a mesma coisa. Começou logo pela manhã, com um amigo que, aos 38 anos, percebeu que houve coisas na vida que não fez e que gostaria de ter feito. Razões familiares evidentes levam-no a não poder, agora, refazer o seu passado (eu diria mesmo que é de todo impossível, por questões temporais). O que lá vai, lá vai. Pode sempre é tentar viver, no presente, o que já gostaria de ter feito e que ainda lhe é possível. Além disso, se não deixar que lhe corrompam a alma e o tranformem em carneirino, pode sempre manter esse espírito livre e fazer altas viagens interiores em liberdade.

Já de tarde, era a vez de uma amiga filosofar comigo sobre os receios que vamos tendo ao caminhar por esta vida. Num campo concreto, dizia-me ela que às vezes não "damos o litro" porque temos medo de estar a fechar portas e de estar a perder a oportunidade de vir a ser ainda mais felizes. Não que a situação actual nos faça sofrer ou traga infelicidades, mas quem sabe não haverá melhor? Então, deixamos de nos entregar a cem por cento e recusamo-nos a viver o presente, influenciados por medos do passado e com grandes expectativas sobre o futuro. Neste limbo de existências podem acontecer várias coisas: nunca vivermos porque estamos sempre muito "à frente", fora da realidade; passarmos ao lado do que fomos convidados a viver por estarmos concentrados naquilo que ainda não temos; chegar ao fim do percurso e perceber que não vivemos, não deixámos viver e nunca viveremos o que estávamos à espera.

Eu até acho que me identifico com isto. Estagnar é uma palavra que não encaixa no meu dicionário e que me aflige só de pensar nela. É preciso ritmo, evolução, novidade. Mas depois há mais grave do que isso. Há atitudes, pessoas e palavras que me conseguem pôr triste e levar a pensar que, realmente, há coisas que não valem a pena. Não gosto que me ignorem, detesto que desconfiem de mim e odeio que me considerem um dado adquirido. O resultado disto é uma coisa muito chata chamada síndrome da ilusão-desilusão (que agora me apeteceu inventar). Isto é, se tudo corre bem a esperança e as expectativas vão aumentando e os afectos vão crescendo. Se um destes três factores entra ao barulho, é como se uma onda de três metros rebentasse em cima de mim e me empurrasse com violência para a areia. Quando me consigo levantar, estou mais apreensiva e relutante em voltar a entrar naquele mar onde me estava a dar tanto prazer nadar. Depois é como se o prazer e a dor andassem de mãos dadas. Toma lá prazer, leva lá com a dor. Estás a sofrer, toma lá um mimo. Andas de sorriso de orelha a orelha, toma lá e desilude-te. E passa-se uma vida nisto.

O que eu ainda não decidi é se quero passar a vida nisto, se me apetece viver na incerteza de um amanhã que poderá nunca vir ou se, simplesmente, tento parar a mente, fico burra por instantes, e dedico-me a viver este presente (esse mesmo que ora me põe em êxtase, ora me desilude e fecha na concha).

sábado, agosto 12

Voltaram os incêndios, voltou o sensacionalismo

Não há pachorra para as imagens televisivas dos últimos dias. É certo que o país voltou a estar em chamas e é preciso denunciá-lo, mas para quê mostrar gritos e caras de desespero? Por que não preservar a dor daquelas pessoas que, por estarem desesperadas, perdem a noção do "bom senso", do ridículo e daquilo que gostariam que fosse transmitido pela televisão.

Eu já estranhava não haver meia hora de incêndios nos noticiários, como é normal em Agosto quando não há mais nada para noticiar. A guerra no Líbano desviou as atenções, mas deixou de ter piada (na óptica dos directores das televisões, parece-me). As imagens de guerra a entrarem em casa já cansavam. Tiravam o apetite. Aumentavam o desespero e a revolta de assistir a um conflito da tanga (pela forma como foi criado) que as grandes potências não estão interessadas em pôr um ponto final.

E agora... pimba! Tomem lá incêndios. Tomem lá pessoas aos gritos, bombeiros mortos, velhotes a serem carregados ao colo de um lado para o outro, mulheres histéricas à procura dos maridos e a tentarem proteger as casas. Tomem lá, pirómanos! Inspirem-se nestas belas imagens e ateiem lá mais uns foguinhos. Há dias, um inspector da PJ dizia-me que quando há muita divulgação de casos de violação e maus tratos, por exemplo, aumentam as queixas na polícia. No caso dos incêndios, parece-me que a visão dantesca e bela de uma floresta a arder só faz com que os criminosos provoquem mais o caos e tenham instintos de maldade. É isto que eu critico na minha profissão. O bom senso nem sempre impera. O equilíbrio não é preponderante e os excessos cometem-se sem pensar nas consequências.

sexta-feira, agosto 11

Curriculum original

"Já fiz cócegas à minha irmã só para que deixasse de chorar, já me queimei a brincar com uma vela, já fiz um balão com a pastilha que se me colou na cara toda, já falei com o espelho, já fingi ser bruxo.
Já quis ser astronauta, violinista, mago, caçador e trapezista; já me escondi atrás da cortina e deixei esquecidos os pés de fora; já estive sob o chuveiro até fazer chichi.
Já roubei um beijo, confundi os sentimentos, tomei um caminho errado e ainda sigo a caminhar pelo desconhecido.
Já raspei o fundo da panela onde se cozinhou o creme, já me cortei ao barbear-me muito apressado e chorei ao escutar determinada música no autocarro.
Já tentei esquecer algumas pessoas e descobri que são as mais difíceis de esquecer.
Já subi às escondidas até ao terraço para agarrar estrelas, já subi a uma árvore para roubar fruta, já caí de uma escada.
Já fiz juramentos eternos, escrevi no muro da escola e chorei sozinho na casa de banho por algo que me aconteceu; já fugi de minha casa para sempre e voltei no instante seguinte.

Já corri para não deixar alguém a chorar, já fiquei só no meio de mil pessoas sentindo a falta de uma única.
Já vi o pôr-do-sol mudar do rosado ao alaranjado, já mergulhei para a piscina e não quis sair mais, já bebi whisky até sentir os lábios dormentes, já olhei a cidade de cima e nem mesmo assim encontrei o meu lugar.
Já senti medo da escuridão, já tremi de nervos, já quase morri de amor e renasci novamente para ver o sorriso de alguém especial, já acordei a meio da noite e senti medo de me levantar.
Já apostei a correr descalço pela rua, gritei de felicidade, roubei rosas num enorme jardim, já me apaixonei e pensei que era para sempre, mas era um "para sempre" pela metade.
Já me deitei na relva até de madrugada e vi o sol substituir a lua; já chorei por ver amigos partir e depois descobri que chegaram outros novos e que a vida é um ir e vir permanente.
Foram tantas as coisas que fiz, tantos os momentos fotografados pela lente da emoção e guardados nesse baú chamado coração...
Agora, um questionário pergunta-me, grita-me desde o papel: " - Qual é a sua experiência?"

Essa pergunta fez eco no meu cérebro. "Experiência...."Experiência... " Será que cultivar sorrisos é experiência?
Agora... Agradar-me-ia perguntar a quem redigiu o questionário:
" - Experiência?! Quem a tem, se a cada momento tudo se renova???"
(....) "

A vida é assim. Mas porquê???

Há dias de maior sensibilidade. A vida até nos corre bem, não há nada a reclamar. Mas há qualquer coisa que nos impede de nos entregarmos por completo a essa actual felicidade. Como parece que não tenho mais nada para fazer (que ridículo, com tanta coisa em que ocupar a mente), ponho-me a olhar para as pessoas no metro e a tentar perceber como podem ser as suas vidas. Se vejo olhares tristes, compadeço-me e apetece-me ir lá dizer: "Precisa de falar? Posso ajudar em alguma coisa?". Se me parece que a pessoa à minha frente vive com dificuldades, irrito-me com a vida por não permitir que todos tenhamos as mesmas oportunidades. Por não deixar que algumas pessoas tenham férias (ou não há dinheiro ou, simplesmente, têm de trabalhar mais e mais para conseguirem sobreviver), por permitir que crianças tenham fome, sejam mal-tratadas e não saibam o que é ter brinquedos (se bem que isto é mínimo), amor, carinho e muita dedicação.

Depois deste martírio a que me sujeito vezes sem conta, como que em auto-flagelação, ainda tenho tempo para me irritar comigo por me consternar com estas coisas. Se eu pudesse, mudava o mundo (foi por isso que, aos 6 anos, decidi que queria ter esta profissão e mais nenhuma. Que ingenuidade, minha nossa!). Não para que ele fosse como mais me convém, mas para não ter de me entristecer com supostas realidades que eu encontro diariamente e que me deixam sem fôlego. Ok, já aceitei que a vida é assim. Mas porquê???

quarta-feira, agosto 9

As mulheres são...

"As mulheres são pressionadas para serem boas mães, boas profissionais, boas filhas e ainda por cima... boas!"

Hoje uma amiga minha tinha esta frase no nick. Mesmo que se pense que os tempos mudaram, julgo que esta pressão sobre as mulheres se mantém (mesmo que o peso seja mais inconsciente do que outra coisa). A isto eu acrescentaria que ainda temos de ser boas esposas e boas amantes. Ou seja, quase perfeitas. Não conheço ninguém que seja bom nisto tudo. Conheço pessoas que fazem esforços incríveis para sê-lo e acabam perdidas no meio dessas exigências que a sociedade, os homens e o ritmo apressado do dia-a-dia colocam. Esquecem-se delas e nem têm tempo de parar para pensar se o que fazem é por gosto e dedicação ou é para mostrar ao exterior que se é capaz. Há alturas em que apetece dar gritos e meter todos na ordem. Bolas! Não temos de ser perfeitas. Sobretudo quando os homens não o são e, devido a questões sociais e culturais, nem sequer têm de sê-lo.

Depois damos connosco de rastos, de lágrima fácil devido à pressão e aos nervos, a responder mal a toda a gente e a ocuparmos o papel de vítima porque ninguém nos compreende. Mas eu continuo a achar que a culpa é, em grande parte, nossa. Saber dizer "não" é uma virtude. Perceber que se é humano, frágil e também se erra é outra.

Quanto à questão de ser "boa" (boazona, apetecível)... Ora que caraças! Vão-se lixar! Com o corpo deformado da gravidez (estrias, flacidez, banhas, quilos a mais...) e a possível depressão pós-parto, falta de tempo para exagerar no cuidado com a imagem (é que, entretanto, somos filhas, mães, amigas, esposas e amantes), pouco dinheiro para fazer estragos (quando algum dele não é empatado no psicólogo e nos antidepressivos, é aplicado na boa gestão económica de uma casa que se exige a uma boa esposa, mãe, filha, etc, etc, etc)... sobra pouco tempo para pensar como se pode ficar "boazona" e desejável. Além de que, uma "gaja boa", é "boazona" e "apetecível" para o marido/namorado, mas também para o carteiro, o padeiro, o polícia, os homens das obras, os taxistas, o senhor da banca dos jornais, pa ta ti pa ta ta. Será que é isto que os "nossos" homens querem de nós? E conseguiremos, alguma vez, gerir isto tudo? Uma coisa eu acho indiscutível: as mulheres têm uma capacidade acima da média para se adaptarem aos diversos papéis sociais que lhes são pedidos. Não quero ser sexista, nem nada que se pareça (já parecendo... :) ), mas talvez os homens não se esforcem tanto porque também não lhes é exigido.

terça-feira, agosto 8

Vambora (entre por essa porta agora...)

Podem-me dizer que isto é lamechas, mas sempre achei bonita aquela cena "à filme" em que um homem entra de rompante pela casa (também se pode ler "vida") da mulher que ama para impedir que tudo termine ou para conseguir que as coisas continuem (aqui é válida a inversão de papéis :) ). As relações entre as pessoas são feitas de encontros memoráveis, mas muitos desencontros e, por vezes, alguns mal-entendidos que dão cabo de tudo (só que não passam disso mesmo: mal-entendidos infelizes). A chatice é que se perdeu a coragem e o orgulho ferido impede que as pessas lutem por aquilo em que acreditam quando uma das hipóteses poderá ser... levar uma tampa depois de se ter "rebaixado". Por isso sempre achei que nunca por nunca nesta vida essa imagem de filme se poderia realizar. Até porque tenho de ser sincera: ou me tenho movido por estradas de gente desalentada e cobardolas ou, de facto, os homens andam cheios de medos, traumas e pouca vontade de entrar em filmes românticos ("filmezinho de lágrima fácil", diriam eles).

Adriana Calcanhoto tem uma letra que se, por um lado, me faz acreditar no facto de também ela ansiar por esta cena "à filme", por outro reitera a ideia de que isto só acontece mesmo na ficção. Eis a letra:

Entre por essa porta agora
E diga que me adora
Você tem meia hora
P'ra mudar a minha vida
Vem vambora
Que o que você demora
É o que o tempo leva

Ainda tem o seu perfume pela casa
Ainda tem você na sala
Porque meu coração dispara
Quando tem o seu cheiro
Dentro de um livro
Dentro da noite veloz

Ainda tem o seu perfume pela casa
Ainda tem você na sala
Porque meu coração dispara
Quando tem o seu cheiro
Dentro de um livro
Na cinza das horas


Digam lá se nunca vos apeteceu que isto acontecesse nas vossas vidas... Só posso dizer que a vida dá trinta mil voltas todos o dias e o que se assemelha a ficção um dia acaba por acontecer mesmo. E o que parecia um sonho, uma cena "à filme", passa a ser um argumento realizado por profissionais ousados que percebem do assunto. Ou que, pelo menos, não têm medo que o seu filme (ou que uma das cenas do seu filme) seja de lágrima fácil e acabe com um "desaparece-me a frente! Não te quero voltar a ver...".

sábado, agosto 5

Não chores porque acabou... sorri porque aconteceu

Gabriel García Marquez (que eu adoro) é o autor desta frase deliciosa que não me canso de repetir: "Não chores porque acabou... sorri porque aconteceu". Na maior parte das vezes acho difícil não chorarmos quando as coisas acabam. Depende muito da intensidade com que as vivemos, da sensação ou não de falhanço, da forma como tudo acabou, entre outros factores. Mas quando as recordações são boas há sempre motivos para sorrir. Até considero, mesmo, que quando elas são más continua a haver motivos para sorrir. Porque subimos mais um degrau na escala da aprendizagem. Porque nos arriscámos viver situações e não vacilámos. Porque, para a próxima, se formos inteligentes, há erros que não iremos cometer.

Ao contrário do que me fazem crer, considero que no amor não há manuais. Tudo bem, pode (e, se calhar, deve) haver algumas regras. Mas somente as regras do que estamos ou não dispostos a aceitar nas nossas vidas. E isso não se aprende num dia. Conhece-se com o passar do tempo, com um nível elevado de auto-conhecimento e de posicionamento na vida (no momento e no lugar em que nos encontramos e para onde queremos ir). Pois... Comigo também funciona aquela máxima: "não sei por onde vou... só sei que não vou por aí". Sei que sou uma tipa com um feitiozinho lixado. Um osso duro de roer em diversas circunstâncias. Mas, lá está, todos os que souberam conviver com isso continuam alegremente a meu lado e vivemos momentos inebriantes. Sejam de guerra ou de paz. Aprendemos a viver uns com os outros, a adaptar-nos uns aos outros porque aquilo que somos juntos é mais importante do que os nossos feitios mimados e as nossas posições egocêntricas de "quero, posso e mando!".

Fartei-me desta merda de guerra constante que tentamos fazer da nossa vida, do nosso dia-a-dia. Tudo poderia ser mais fácil se não fôssemos tão casmurros. Recuso-me a ter de lutar por algo que deve ser genuíno, espontâneo, povoado de magia e auto-sustentável: a harmonia e a felicidade. E como acredito que, quando tem de ser, é mesmo, não faço nem mais um esforço para contornar o incontornável e para remar contra a maré forte que alguns acontecimentos das nossas vidas representam. Há momentos que não se esquecem, é um facto. Que ficam guardados no tempo, na memória, na pele, no mais íntimo da alma. E nem outros maus os conseguem estragar ou apagar. Há palavras que saem mal, que magoam os outros mesmo que ditas sem intenção. Já está. Já se disse. Já se ouviu. Ou se tem um "poder de encaixe" e maturidade para entender os contextos, as necessidades, as ocasiões... Ou o balão de oxigénio rebenta e fica apenas um sentir tão puro e reconfortante como "Não chores porque acabou... sorri porque aconteceu"...

sexta-feira, agosto 4

Compatibilidades...

A compatibilidade deve ser (se não o maior) um dos desejos mais profundos de qualquer pessoa. Encontrar o emprego ideal, a casa ideal, o parceiro ideal, etc, etc, etc... Muitos são os esforços neste sentido e muitas as desilusões quando se percebe que, afinal, talvez o ideal não exista. O que existe, por vezes, é uma aproximação de um ideal que nós criámos em fantasia e que, por falta de bases reais, não passa disso mesmo: um ideal, uma utopia.

Quando se fala de relações, então, muitas vezes descemos de ideal para óptimo, depois para razoável, seguindo-se o aceitável e, para algumas pessoas, chega-se à fasquia do "antes isto do que nada". Ora aqui está uma postura de vida que me tira do sério. E que tal: "antes nada do que isto!"??? Nos últimos tempos, o que tenho visto em volta é essa comiseração e passividade perante o que a vida nos apresenta. Sem sentido crítico, sem noção do que é melhor para si, há pessoas que se sujeitam a ter uma vida de merda para não terem que se esforçar muito. É sempre preferível uma atitude passiva a ter de fazer opções e, quantas e quantas vezes, alguns sacrifícios.

Pois eu acho (incrível como eu consigo achar sempre tanta coisa...) que há pessoas, empregos, casas que são completamente incompatíveis com o que queríamos para nós e com o que nos faz felizes. Porém, também considero que a compatibilidade pode vir com o tempo (pelo menos o seu aperfeiçoamento). E isso exige disponibilidade, respeito, boa vontade, capacidade de adaptação e, acima de tudo, uma noção clara daquilo que se quer e de que o mundo não acaba se for necessário esperar mais algum tempo.

quinta-feira, agosto 3

A Felicidade Exige Valentia

Só podia ser... Fernando Pessoa...


" Posso ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado algumas vezes"
mas não
esqueço de que minha vida é a maior empresa do mundo, e posso
evitar que
ela vá à falência.
Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver apesar de todos os
desafios, incompreensões e períodos de crise.
Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e se tornar um autor
da
própria história. É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de

encontrar um oásis no recôndito da sua alma.
É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida.
Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos.
É saber falar de si mesmo. É ter coragem para ouvir um "não".
É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta.
Pedras no caminho? Guardo todas, um dia vou construir um castelo..."


Fernando Pessoa

É linda esta cidade!

Hoje está a ser um dia cansativo. Ou sou eu que estou demasiado cansada ou são os desafios que se sucedem e teimam em não me deixar descansar. Agosto. Sol. Calor. Compromissos com hora marcada. Um conjunto de coisas que me levaram a ver, com olhos de gente, o quanto a minha cidade é bonita. Começou por receber-me cinzentona, cheia de nuvens que anunciavam chuva. Mas eu pedi-lhe para não me fazer isso. Pelo menos não no dia em que tinha uma entrevista marcada num jardim. Era suposto ser Verão, estar um calor convidativo à praia e à esplanada.

Não sei se foi com pena minha e do meu cansaço, mas a minha cidade resolveu sorrir-me e, a meio da manhã, deixou entrar o Sol e fez o Jardim da Estrela tornar-se um local aprazível. Um pulmão verde no coração da cidade, com as árvores e o céu a servirem de tecto e o topo da Basílica a fazer de vigia. Delicioso. Não me apetecia entrar em nenhum edifício nem enfrentar nenhum computador. Apeteceu-me agradecer à minha cidade o facto de ser tão linda e de me receber tão bem. Andei, andei, andei... A observar as pessoas, os pormenores das ruas que já respiram mais porque faltam carros (Agosto é o paraíso em Lisboa), os estrangeiros de mapa na mão que se passeiam por aí... E almoçar com amigos que não via há séculos e que me recebem sempre com tanto carinho.

Hoje está a ser um dia cansativo, mas sinto-me encorajada pela sorte que tenho em viver aqui e em ter por perto pessoas que valem a pena e que se preocupam comigo.

terça-feira, agosto 1

Gratidão com a vida

Há alturas em que nos sentimos muito infelizes com os acontecimentos da nossa vida. Eternamente insatisfeitos. Outras há em que até nos corre tudo bem, mas ainda não o suficiente para nós. E nesta treta do "ainda não tenho" e do "tenho alguma coisa, mas ainda não tenho tudo" vamos desperdiçando o tempo e sendo ingratos com a vida.

Uma amiga minha hoje dizia-me: "Temos de nos mostrar gratos com a vida para que ela nos dê aquilo que realmente merecemos. Senão ela tira-nos os flashes de luz que é suposto sabermos aproveitar e que estamos a ignorar por completo." Eu dei-lhe (e dou-lhe) toda a razão. Mesmo que as relações acabem, mesmo que os empregos se percam, mesmo que a vida dê 3 ou 4 cambalhotas e vire o nosso mundo do avesso... O importante é perceber que cada coisa tem uma razão de existir e está aí para a aproveitarmos. Além do mais, se queremos uma vida cheia de coisas boas há que fazer por isso. E o primeiro passo é agradecer quem somos hoje, o que temos e o que, graças a isso, podemos fazer das nossas vidas. Obrigada, vida, por tudo aquilo que tenho agora...