Um dia desta semana tinha um lanchinho combinado no Chiado. Depois de um dia intenso de trabalho, adoptei uma postura Zen e lá fui eu descontraidamente (como gosto de fazer sempre que posso ou consigo). Levar carro para o Chiado é mesmo uma ideia triste, mas às vezes é um ganhar de tempo e um conforto quando se prevê sair de lá tarde e se mora fora de Lisboa.
Umas voltas de reconhecimento e lá está um homenzinho a acenar. Onde há arrumador a acenar, há lugar de certeza. Os arrumadores costumam irritar-me porque, além de não me ajudarem, atrapalham-me e ainda querem dinheiro por isso. Mas com este foi diferente. O tipo não se colou à traseira do meu carro, não correu o risco de ser atropelado (o que me permitiu fazer a manobra à primeira) e ainda disse "ah! a senhora consegue!". Um tipo "inteligente", portanto... Como estava Zen - e para mim o tempo tinha parado - dei-lhe conversa. "A vida está má!", "Estou inscrito numa agência de trabalho temporário", "Eu sei que ninguém tem a obrigação de me dar dinheiro"... pa ta ti pa ta ta... Ia ele falando enquanto me acompanhava ao parquímetro. Sim, dei-lhe uma moeda, mas ainda tive de pagar estacionamento. "Os gajos da Emel já aqui estiveram, mas nunca se sabe. É melhor a senhora pôr lá qualquer coisita", dizia-me o Lúcio. "Lúcio! Deixe lá o senhor", disse-me o homem. Que entretanto me perguntava o nome e já me tratava por tu. "Tou a falar de mais...", concluía. Mas não se calava. "Você é simpática e compreende-me. Da próxima vez que parar por aqui volte a falar comigo..."
Esta tocou-me um bocadito. O tipo até admitiu que bebia uns copos (o que, aliás, se notava bem), mas que não se "picava"; que tinha 50 anos e tinha tido um relacionamento com uma miúda de 17 (com outros encontros pelo meio) e que não gostava de ser maltratado pelos "choferes". Mas o que mais me deu que pensar foi aquela solidão. Como eu já vi tantas outras vezes nos olhares de muitos arrumadores a quem dei dinheiro e um dedinho de conversa. E que, volta e meia, vejo nos olhares de muita gente. Acho que é por isso que eu dou conversa a estranhos. Para absorver algumas dessas experiências que me são tão distantes, mas que me fascinam pela sua diferença. E, também, porque a troca de palavras e a partilha entre as pessoas nos torna mais humanos e nos faz sentir mais inseridos neste mundo.
quarta-feira, julho 5
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário