quarta-feira, maio 3

"Se puderes olhar, vê. Se podes ver, repara."




A contracapa do livro "Ensaio Sobre a Cegueira", de José Saramago, tem esta frase fabulosa: "Se puderes olhar, vê. Se podes ver, repara". O próprio livro é uma metáfora a quem tem visão e não consegue - ou se recusa a - ver. Um pouco aquilo que fazemos em diversos momentos da nossa vida e em situações específicas. É mais fácil fingir que não se vê ou, vendo, tentar ignorar o que se está a ver. Se conseguirmos aguentar o que estamos a ver, é interessante tentar reparar naquilo em que estamos focados. E isto implica sentir o que nos rodeia, percebê-lo e deixá-lo entrar no nosso mundinho. Se não tiver interesse e ocupar espaço, largamo-lo e deixamo-lo ir. Se for, de facto, importante para a nossa vivência, é mais uma experiência que se ganha, mais uma aprendizagem que se acumula.

Aqui se incluem situações, mas também pessoas. Aos 15 anos queremos ter um leque alargado de amigos, antes de nos começarmos a desiludir com o mundo e com as pessoas que nos rodeiam. A partir dos 20 e tal, já prestes a enfrentar uma realidade competitiva, percebemos que temos de apertar o cerco e contar com menos pessoas do que desejaríamos. Profundamente magoados em algumas situações, a caminho dos 30 já começamos a seleccionar quem queremos mesmo ao pé de nós. E por aí fora. Até chegarmos à idade dos nossos pais, com poucos amigos e o grande apoio na família nuclear. Parece um discurso derrotista, tido por pessoas desiludidas com a vida. Em primeiro lugar, não há memória de alguém se ter desiludido sem que se tivesse iludido primeiro. Depois, pode ser uma questão de olhar, ver e reparar. Quando incluimos alguém na nossa vida, nem sempre reparamos no essencial. Ficamos extasiados com a boa aparência e vemos na outra pessoa sinais e qualidades que não existem. Quando reparamos que nos enganámos, sentimo-nos traídos e desanimados. Ao invés, damos menos oportunidades a quem não nos salta logo à vista e nem sequer ligamos ao que têm para nos dar. É assim o mecanismo. É assim o início dos equívocos.

Já prometi a mim mesma (sim, eu também tenho ilusões) que vou passar a REPARAR no que me rodeia. Costumo olhar e habituei-me a ver, mas nem sempre reparo no que é essencial. E, claro está, o que é essencial para mim não será para muitos outros...

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