domingo, junho 25

Realidade desigual

Ontem, de passeio pelo Porto, dei-me conta de que, na verdade, há inúmeras realidades para as quais devemos estar despertos e despertar as nossas crianças. Há uns dias, a falar de educação e relações, um colega disse-me que, enquanto pai, considerava que o seu papel era mostrar às crianças o que é a realidade de hoje e o que pode ser o futuro e fazê-las perceber que a realidade de hoje é uma grande desigualdade entre as pessoas e entre os vizinhos (muitas vezes, perto da nossa porta, há grandes diferenças de vivência). O que acontece muitas vezes é que protegemos em demasia as nossas crianças para que não se apercebam que o mundo também é cinzento, também tem coisas e pessoas feias, más e em sofrimento.

Ontem, quando inadvertidamente entrei no bairro da Sé, dei-me conta de uma realidade que eu sei que existe, mas que não teria escolhido ver naquele momento se soubesse por onde estava a ir. Uma rua a cheirar a "mijo", um grupo de pessoas que dava notas em troca de "produto", e um homem que ficou a olhar de longe, mal viu as presenças estranhas aproximarem-se. De olhar desafiador - do tipo, o que é que querem, o que é que fazem aqui -, enfrentou-me nos olhos e acompanhou-me com o olhar. Eu senti-me gelar por dentro e achei melhor baixar os olhos e fingir-me descontraída. Sim, de facto eu estava ali a mais. Acho que não corria perigo, mas o taxista com quem me cruzei de seguida aconselhou-me a nunca fazer aquilo de noite. "Nem as escadinhas nem os túneis. Até eu evito aquilo". Ele, homem. E eu a pensar: "Uau! Mas que escadas e que túnel? Serão no sítio para onde eu me dirijo agora?"

Bem, se fosse com as minhas crianças não tinha conseguido evitar uma realidade. Se calhar, ainda bem. Se calhar nem sequer devia esconder-lhes que essas realidades existem. Por acaso, em criança nunca me conseguiram esconder isso e acho que, se me tivessem escondido, nunca os teria perdoado. O mundo tem ciganos, tem agarrados, tem prostitutas, tem vagabundos, tem homenzinhos ricos de gravata e mercedes, tem condomínios fechados... Tem, tem, tem... Uma série de existências e realidades para as quais, se calhar, nunca vamos estar preparados. Isto porque é impossível dominar todas e é impossível não ser surpreendidos.

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