Há alturas em que a vida nos convida a experimentar o desapego e o verdadeiro significado de "eu gosto de ti". Acima das carências e das vontades do ego está a certeza de que há momentos que merecem ficar com o carimbo da alma. Momentos intensos, de troca verdadeira, impossíveis de apagar, que nos podem levar a fazer figuras tontas. Mas como é dito no tal livro do ratinho que ando a ler ("A Lenda de Despereaux"), "o amor é ridículo". Em nome dele - quando é verdadeiro - vale a pena correr riscos. Vale a pena ousar fazer figura de parvo no meio da multidão e, sobretudo, perante a pessoa a quem queremos dizer realmente "eu gosto de ti".
Sempre aprendi que mais vale arrependermo-nos do que fizemos do que daquilo que nunca chegámos a fazer e podíamos ter feito. É aqui que me parece que se pode atingir a tranquilidade nas relações. A certeza de que se fez o que se podia em prol do amor. Para que ele resultasse, para que se tornasse maduro, para que crescesse. Quase que parece uma aula de dança. Se aprendemos a dançar com um professor e depois nos mudamos para outra turma - que aprendeu outros passos - sentimo-nos meio desajustados. Porém, se fazemos mesmo questão de continuar a dançar, é evidente que vamos aprender estes novos passos para que consigamos bailar todos em conjunto. No início, é natural misturarmos tudo e juntarmos passos que para ali não são chamados. Mas a vontade de entrar na dança é tanta que acabamos por treinar até que consigamos a harmonia. Este treino pode levar dias, meses ou até mais. Depende da dedicação, do investimento, das vezes que vamos aos treinos. Na minha área profissional, diz-se que o nosso trabalho é 10% de inspiração e 90% de transpiração. Não será assim também o amor? Deixemos para os contos de fadas a existência de príncipes encantados e a felicidade como constante. Isto para dizer que, mesmo que o amor seja ridículo, há aspectos que é importante pacificar, correndo o risco de nos estatelarmos ao comprido.
Por vezes nem nos apercebemos o quanto gostamos das pessoas. Refiro-me àquele gostar desinteressado, em que o que impera é a preocupação com o outro e o desejo de que ele fique bem. Então é aí que alguém pergunta: "gostas de mim? gostas dele/a?". E nós paramos para pensar... Erh... Pois... Mas gostar como?! Bem, GOSTAR. Ou se gosta ou não se gosta (e isto não é a mesma coisa que um hambúrguer ou um bife com batatas fritas, que umas vezes comemos mal passado, outras melhor, outras ainda com um tempero que não é habitual, mas que marcha). Aqui trata-se de ser neutro ou de nos perturbar (também no bom sentido, entenda-se), de mexer connosco. Quando percebemos que mexe connosco não porque temos medo de perder (isso já é quase um hábito, pois perdemos tantas batalhas ao longo da vida), mas porque não nos é neutro, porque gostamos de verdade, corremos o risco do ridículo. Só acontece uma de duas coisas: ou caímos de chapa (e do chão não passamos, por isso não é assim tão grave) ou desbravamos caminho para algo muito mais valioso e construtivo.
Mas o "eu gosto de ti" tem o outro lado. Aquele que magoa, mas que faz parte deste pacote. O outro tem toda a liberdade de dizer: "pois, eu não gosto de ti" ou "pois, eu gostava, mas deixei de gostar de ti". É o preço a pagar. E o verdadeiro "eu gosto de ti" inclui a liberdade do outro escolher o caminho que quer tomar. Que pode muito bem ser seguir a jornada sem nós. Quando o "eu gosto de ti" é verdadeiro, a atitude certa é deixá-lo partir sem rancores porque tudo o que queremos é o seu melhor, que pode estar noutra experiência, noutra pessoa, noutra situação.
O importante, mesmo, é deixar estas experiências na alma, bem dentro de nós, com um carimbo que diz "positivo". O "eu gosto de ti" verdadeiro tem nobreza. Se ela não existir é porque não era um sentimento da alma. O "eu gosto" dos hambúrgueres ou dos bifes com batatas fritas é aquele em que tanto faz que se coma nesta ou naquela tasca. Não importa a experiência, o que conta é que se coma o raio do bife e se fique saciado. O "eu gosto de ti" verdadeiro implica saciar uma fome maior: a que está cá dentro e que, por isso, é bem mais difícil (mas não impossível)de matar. É poder dormir descansado porque se fez o que era suposto para que bons momentos permanecessem como tal, preservados num jardim secreto que nenhuma palavra, nenhuma briga ou nenhuma pessoa podem anular.
O resultado pouco importa. Até porque não podemos mudar os outros nem controlar os seus sentimentos. Além disso, nunca se sabe quando é que a aprendizagem que era suposto fazer ali chega ao fim. Pode ter sido o momento. Pode haver ainda muito mais para viver...
quarta-feira, setembro 6
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1 comentário:
Gostei muito da narrativa...parabéns!
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