O desabafo que se segue pode ser uma verdadeira seca para quem dispensa algum do seu tempo a ler este blogue. De qualquer forma, publico-o por três razões: - em tom de desabafo, porque preciso de colocar esta experiência preto no branco; - para mostrar aos meus verdadeiros amigos que me perguntam como correu a viagem; - como forma de solidariedade e alerta para quem pensa meter-se neste tipo de embrulhada. E a história foi assim:
Era uma vez um rapaz que convidou uma amiga para passar com ele o aniversário em Amesterdão (Holanda, para os mais desorientados). Depois de um jantar de conversa e risota, entraram na net e reservaram duas passagens de ida e volta para a "famosa" capital (este "famosa" tem malícia...). Pronto! Estava combinado! Dentro de 3 semanas e meia lá iam eles. O tempo foi passando e entre os dois a relação de amizade ia tendo os seus reveses. Algumas brincadeiras que a amiga considerou de mau gosto (mas que para o rapaz eram "apenas testes", como se nas pessoas também houvesse "test drives"), umas conversas mais sérias e eis que ela quer desistir da viagem. As razões que alegou foram o facto de, face aos últimos acontecimentos, não ter a certeza de conhecer a pessoa com quem ia viajar para AQUELA CAPITAL (sim, esta também tem malícia) e com quem ia partilhar o quarto (era mais barato, apesar de o alojamento lá ser caríssimo).
O problema da amiga é que não gosta de deitar dinheiro à rua porque tem mil e uma coisas proveitosas onde pode aplicá-lo. Ora, se já tinha gasto dinheiro numa passagem que quase lhe comprava a nova cama... tinha mesmo de ir. Além disso, ia conhecer uma capital nova na sua lista de capitais europeias que queria visitar. Ela já tinha sido avisada (por uma pessoa externa a esta embrulhada) que talvez não precisasse de viver uma experiência tão dura para aprender mais um bocadinho com a vida. Até porque este era um filme que, a confirmar-se, a amiga já tinha visto ao longo de anos na vida de pessoas muito, muito próximas. Pronto, nenhuma aparente coincidência demovia a amiga da merda da viagem (ou viagem de merda. Para o caso é indiferente). Ah! Para aproveitar os escassos 3 dias que iam passar em Amesterdão, os amigos resolveram sair de Lisboa no voo das 07h45 de sexta e regressar no voo das 19h e qualquer coisa de domingo.
OK! A aventura estava prestes a começar...
Para não haver atrasos, a amiga foi dormir a casa do amigo para partirem juntos pouco depois das 6h00 da manhã e chegar com tempo ao aeroporto. O amigo queria sair mais tarde, mas a amiga, escaldada, insistiu para que fosse mais cedo. Burra! Neste caso, era um sinal. Chegados ao aeroporto, ao fazer o chek-in, o amigo tinha andado a passear o BI na máquina de lavar. Resultado: a foto estava irreconhecível e não o deixavam embarcar. Solução: tinha meia hora para ir a casa buscar o passaporte ou já não embarcaria nesse voo. A amiga esperava por ele no aeroporto, mas não se podia distrair muito porque o seu chek-in estava feito. Bom, desta vez as filas lisboetas não originaram nenhum desfecho incómodo. Ele voltou a horas. O avião levantou voo e algo de estranho aconteceu... Não subia o tempo que seria previsto. Andou cerca de meia hora e o piloto resolveu fazer um comunicado aos passageiros. "Senhores passageiros: devido a um problema de pressurização que nos impede de ir mais alto (caso continuemos a esta altitude ficamos sem combustível), vamos ter de regressar a Lisboa". Oooooopsssssssssssssss. Segundo sinal... Seria?! Nesta altura, já a amiga se estava a convencer a ela própria que tinha de se moderar com os seus "sinais" e intuições. Mas a vontade, realmente, era ficar em Portugal. Até porque só partiram quase ao meio-dia.
E a aventura continua ....
Chegados a Amesterdão, com quatro horas de atraso, era altura de encontrar o hotel que o amigo quis reservar pela Internet. Minúsculo. Demasiado minúsculo para duas pessoas que em breve se iriam incompatibilizar. Novo problema: o amigo só tinha reservado uma noite e o hotel já não tinha vagas para o dia seguinte. A recepcionista lá fez a próxima reserva num hotel vizinho. Se o primeiro quarto era minúsculo, o do dia seguinte não tinha explicação. Além de não ter explicação o facto de ficar num quarto andar sem elevador. Adiante. O primeiro dia na cidade ia correndo bem. A amiga não fuma (nem tabaco nem outras "cenas"), mas aceitou "na boa" ir com o amigo ao coffee shop para que ele se abastecesse. Em Portugal ele confessou à amiga que gostava de experimentar as "cenas" de lá, mas que obviamente não ia lá por isso. Até porque, se fosse, não ia assim levar a amiga cuja presença e companhia ele muito prezava. Por sua vez, a amiga não vê com bons olhos essas "cenas", mas tenta não empatar ninguém desde que não a prejudiquem. Então lá foi, qual dama de companhia, para um local que não tem nada a ver com ela (a coffee shop). Era, também, uma forma de conhecer uma realidade de que tanto ouvira falar (e a amiga é curiosa, gosta de novidades). Aliás, a amiga queria muito ir conhecer a zona de Red Light District onde se vende sexo nas montras. Além de tudo o mais, não se estraga o aniversário a ninguém mesmo que, depois, nos estraguem todo um fim-de-semana.
Sempre bem disposta, sempre a tentar manter o astral em cima, a verdade é que a amiga começava a sentir que as coisas não eram as mesmas. Ao que parece, aquela "merda" é das boas. Pelo menos, fazer alguém ter risinhos continuados e não parar de dizer "isto é demais, é altamente" indicia isso mesmo. Foi a partir daí que a amiga começou a perceber que a saída nocturna era sempre na mesma zona. A amiga queria conhecer o resto da cidade, mas tinham dito ao amigo que aquela era a melhor zona. Os mapas, por acaso, apontavam outras zonas de interesse, mas há que acreditar em quem já lá tinha estado. Em breve a amiga iria perceber as razões pelas quais alguém poderia ter recomendado APENAS aquela zona. Para terminar a noite, entrada numa das discotecas famosas da cidade, com dois palcos com música ao vivo. Num deles, curiosamente, DJ a passarem sons brasileiros. Com o samba no pé, a amiga abanava o capacete. Entra o próximo artista, o americano vedeta da noite, e o amigo quer ir embora. Impaciente, nada o contentava ali. OK. Não se obriga ninguém a estar onde não quer, ainda mais em final de dia de anos. Bora lá então. Um "spacecake" (uma merdola que eu trinquei e jurei para nunca mais, mas admito que seja uma delícia), uns "picas" e está a noite feita. Para o amigo. Para a amiga, aquilo começa a perder o interesse. Mais um dia e meio às voltas na mesma zona da cidade? Era altura de elaborar um plano, com o acordo do amigo claro está. Mapa na mão, roteiro turístico, e já há programinha para amanhã. O amigo não quis ir ver nessa noite a zona das prostitutas, mas prometeu que na seguinte acompanhava a amiga. Tal como ela tinha feito (e andava a fazer) com as coffee shops. Amesterdão tem inúmeros museus, mas seria impensável vê-los a todos. Um deles, o maior, tinha 6 milhões de obras! Talvez escolher um emblemático e nas redondezas para dar uma vista de olhos também pelo ambiente cultural da cidade. O Museu Van Gogh. Esse artista dos Girassóis que a amiga tanto admira. O amigo confessou não gostar muito de museus, mas até fazia o jeitinho e ia com a amiga. Dividia-se o mal pelas aldeias, como se diz em terras lusas.
E a aventura ainda agora começara...
Já se tinha passado um dia (ou uma tarde, por causa do atraso do voo). O segundo dia tinha de ser também bem aproveitado. Começaram por ir os dois ao Albert Market, um famoso mercado holandês e dali seguiram para o Museu Van Gogh. Antes de entrarem, o amigo dedicou-se às "cenas" na relva do parque em volta. No museu, uma fila grande, dez euros a entrada. A amiga sentiu-se confusa e pensou como gostaria que fizessem com ela se esta situação se passasse à entrada de uma coffe shop: "O meu amigo não gosta muito de museus. Não acho justo ele pagar 10 euros para apanhar uma seca enquanto eu posso entrar já e de graça sendo jornalista e tendo carteira profissional. Vou-lhe facilitar a vida e propor marcarmos um encontro para daqui a pouco. Também acho que não devo desperdiçar esta oportunidade de entrar no museu, sendo tão fácil." Comunicou isso mesmo ao amigo, que concordou e disse que não ia fazer nada. Que apenas a esperava no parque (assim de uma dimensão do tipo Parque Eduardo VII, em Lisboa). Entusiasmada por este momento, a amiga pensou também que, por respeito àquela pessoa que a esperava e que não tinha escolhido fazer outra coisa, devia acelerar o passo e ver em 20 minutos um museu que demorava, à vontade, 2 horas a ver. Mas achou que o amigo se iria esparramar na relva como tinham feito há minuto atrás. A curtir a dele. No museu, havia ainda uma itinerância de obras de Rembrandt e Caravaggio. Ela delirou! Sorveu o mais que pôde em 20 minutos, tentando não atropelar ninguém no mar de gente que se encontrava lá dentro, e foi a correr para o parque procurar o amigo, no local onde tinham combinado, com duas coisas para contar: "Oh pá! Que lindo! Gostei bastante!" e "Mas sabes? Estou intrigada! Não vi o quadro dos girassóis!!!". Pois não viu, não. Estava a "abrir" que nem uma maluca para não fazer o amigo esperar e nem reparou que a exposição tinha só mais dois pisos. Onde está ele? (o amigo, não o quadro dos girassóis). Depois de uma volta ao parque, de um olhar atento sobre as esplanadas da zona (ele podia estar nos copos, não seria de estranhar) concluiu que o amigo não estava lá. Telefonar não dava porque tinha deixado o telemóvel no hotel, com o conhecimento do amigo. Só havia uma solução. Ir até ao hotel para telefonar ao amigo. Sempre com a procupação de que ele pudesse estar perdido algures no parque e a apanhar, agora sim, uma grande seca com toda esta demora. O amigo estava, afinal a andar de barco. Não tinha sido esse o combinado, por isso seria pouco provável que se encontrassem mesmo se a amiga tivesse continuado a procurar. As viagens de barco levavam de 2h a 6h, dependendo da que o amigo tivesse escolhido para fazer. Mais valia terem-se entendido logo e combinado um local e uma hora. Falharam.
E a amiga começa a sua verdadeira aventura...
A amiga tem um defeito do caraças. Raramente falha no que costuma combinar. E raramente perdoa que adultos a desrespeitem e falhem aos compromissos assumidos. Ao perceber que o amigo estava a andar de barco e lhe disse que depois iria para o hotel, é evidente que não ficou fechada no quarto. Pegou nos mapas, pediu duas chaves ao recepcionista e foi fazer o seu périplo pela cidade. Mas avisou o amigo. "Tens uma chave na recepção. Quando chegares liga para saberes onde estou e se queres lá ir ter." Ligou? Não, não ligou. Deixou-a sozinha. Como convinha. Até porque quando, já ao final do dia, ela lhe ligou de volta, ele precisava de descansar no hotel. Talvez devido a uma coisa "demais, altamente". Ela ainda lhe perguntou, em bons modos, se ele afinal queria jantar com ela e sair como tinham combinado. "Sim, sim. Vou tomar um banho e descansar um bocado. Vem cá ter, depois vamos". Ela foi lá ter, mas o que viveu durante a tarde merece ser contado antes.
De mapa na mão, a amiga preparava-se para atravessar a cidade de eléctrico. Foi pôr um postal nos correios e seguiu para a zona oposta da cidade. O seu ar de inglesa (que a costuma irritar quando a confundem, mas pelos vistos dá jeito) levou um senhor a aproximar-se dela e pedir informações sobre os eléctricos (o holandês é como o chinês. Não se entende e não se consegue ler. Por isso, o inglês faz milagres e seria a salvação daquele americano que se aproximou). Curiosamente iam para a mesma zona. E, mais bonito ainda, o homem conhecia a zona oposta e ia em busca de um templo budista. "O quê? Um templo budista? Está a brincar, não está? Eu também quero ir ver!". E lá foram os dois, agora companheiros de viagem. O americano não largou a portuguesa a tarde inteira. Sempre prestável, sempre cavalheiro. Falaram de mil e uma coisas (desde Budismo, ao Iraque, a Bush, a Portugal e à nova descoberta deste "cientista"). Detiveram-se a beber uma cerveja com vista para o canal. Ele levou-a a ver o que faltava da cidade. Trocaram-se nomes de livros que podem interessar ler, assim como sites a visitar. Um convite para jantar dali a umas horas fez a portuguesa acordar para a realidade. "No, thanks. O meu amigo espera-me no hotel." As despedidas foram comoventes. O senhor emocionou-se. A portuguesa tem uma teoria. Assim como ela estava ali perdida, com um desconhecido, sem saber muito bem o que pensar ou até mesmo o que fazer, aquele senhor era também um viajante solitário que iria voltar a ficar sozinho enquanto ela sempre tinha o amigo no hotel.
Já de volta ao hotel, o novo recepcionista avisa a portuguesa que o seu amigo está no quarto. A porta não abre, ninguém atende. Apenas sai daquele vão um tipo que se assusta ao ver a portugesa e pede desculpa porque se enganou no quarto. A rapariga toca a descer de novo as escadas e pede ajuda ao recepcionista. "Deve estar trancado por dentro, por isso é que não abre. Eu ligo para lá." Ninguém atende. Toca a subir de novo a merda das escadas, que parecem que não acabam para, por fim, conseguir entrar. Trocam-se umas palavritas e percebe-se, claramente, que o ambiente entre os dois está de "cortar à faca". Sempre em silêncio, ela põe-se gira para a noite que tinham combinado, sem pachorra para ver mais filmes, mas preparada para lidar com a situação (pensava ela). Ele deixa-a arranjar-se, dormita e depois vai tomar banho. Sempre em silêncio. Que, num cubículo daqueles, fazia mais ruído do que a maior das bandas de rock. Ela atende o pai ao telemóvel (a quem não disse que ia estar fora do país e a quem diz que está muito bem. "Estás mesmo?", pergutnou ele como que a pressentir alguma coisa. Não se pode cometer a crueldade de desabafar com um pai, estando num sítio onde ele nada poderá fazer para ajudar se for o caso).
Já pronto, ele informa-a que vai sair. Ela quererá ir ou fica ali? Ela olha, estupefacta, e responde que gostaria de ir aonde eles tinham combinado há dois dias. "Eu vou beber um copo e jantar. E não, não vou às putas." Realmente. Ninguém lhe tinha pedido para ir às putas. Apenas para ir ver a zona das prostitutas... mas enfim. Durante o dia, ela tinha-se informado na recepção se aquela seria uma zona de risco para ela ir de noite, sozinha. Disseram-lhe que em princípio não porque costumava haver polícia na zona. Os guias, por seu turno, indicavam aquela como sendo a zona dos carteiristas. Aquela onde o amigo não queria ir com a máquina digital no bolso, mas para onde não se importava que a amiga fosse sozinha. Sim, parece que a polícia não tinha registos de os ladrões levarem pessoas, só objectos.
A amiga tem outro grande, grande defeito. Sendo uma profissional da comunicação, não concebe como é que se podem dar mal entendidos só porque as pessoas não comunicam. Então disse ao amigo que precisavam de falar. Para ele se sentar e conversar. Mas o amigo já estava acompanhado (bem, por sinal) e, entre risinhos, disse à amiga que tinha ido ali para curtir e era isso que ia fazer naquela noite. Se ela quisesse fazer o que ele ia fazer, tudo bem; senão, fosse à vida. A amiga tem, ainda, outro grande defeito. Detesta cobardolas e pessoas que virem as costas a situações que se criaram por falta de comunicação. O problema do amigo tinha sido que a amiga tinha entrado sozinha no museu e ele tinha sentido que ela o tratou como um mal cheiroso que não queria que a acompanhasse. Além de não ter insistido com a amiga para entrar no museu e de não lhe ter perguntado logo porque é que ela lhe sugeria que se separassem por momentos, o amigo não deixou que a amiga lhe explicasse o raciocínio que tivera. A amiga tem, ainda, outro grande defeito. Quando sabe que tem razão e que precisa de mostrar os seus pontos de vista, insiste e passa ao ataque. Sim, pôs o indicador em riste e exigiu ser ouvida. Mas depressa percebeu que não adiantava falar para o senhor risinhos. Ele estaria noutra dimensão. Fechou-lhe a porta, foi embora (ela ainda lhe conseguiu dizer o que pensava, não muito bonito naquele caso. Não valer um c.r.lho é chato de dizer e de se ouvir, mas às vezes é sentido). Ela ameaçou que voltaria de imediato para Portugal porque não se iria sujeitar a ser ignorada por um amigo que fez questão que ela fosse e nem iria estar fechada num cubículo com uma amostra de homem que, por um problema de mania da perseguição, tinha optado por deixá-la sozinha em Amesterdão o resto do tempo. E, pelos vistos, estava-se bem a "cagar" para ela. Não que fizesse diferença estar sozinha, visto que a dada altura a companhia dele era mesmo outra. Mas se era para ir realmente sozinha, a amiga teria ponderado fazer agora esta viagem e ser este o destino escolhido. Talvez Roma, Veneza ou Florença fossem preferíveis nesta fase.
E agora? Como se safa a amiga?
As lágrimas corriam-lhe pela cara. De raiva. Raiva por ter aceite fazer aquela viagem. Raiva por não ter atendido aos sinais. Raiva por ter de passar a noite naquele cubículo com aquela amostra de gente, numa cama minúscula. As pessoas valem pelas atitudes que tomam e, no topo da lista da amiga, está o respeito pelos outros seres humanos. Mas ninguém consegue respeitar os outros se não se respeitar a si próprio. Depois das emoções expressas, era preciso agir. E nisso, reconheça-se, a tipa não é nada atada. Move montanhas se isso a fizer sentir-se melhor consigo e ser a sua melhor amiga. E o problema aqui era concluir que, de facto, não conhecia o amigo. E nunca se saberia como ele podia entrar. E nunca se saberia o que podia acontecer depois. Mas, mais importante do que isso, ela não se sentia bem ali e não ia ficar.
- Primeira conclusão: "Não partilho esta merda deste cubículo com este atrasado mental (com as devidas desculpas aos verdadeiros atrasados, que disso não têm culpa). Vou sair daqui AGORA!". Primeira conclusão e primeiro problema: os útlimos voos para Portugal seguiam dali a nada (eram 20h, mais coisa menos coisa). Ir até ao comboio e depois ao aeroporto seria cerca de 30 a 40 minutos. Impossível, portanto. A amiga ainda pensou ir ao acaso e tentar a sua sorte, mas foi vivamende desaconselhada pelo recepcionista. "Nao faça isso. Eu tento ajudá-la de outra maneira."
- Segunda conclusão: dormir noutro hotel e amanhã partir para Portugal. Segunda conclusão e segundo problema: a cidade estava em festa, o que tinha esgotado todos os hotéis. Dos 15 para os quais a amiga ligou, nem um tinha um quarto para a abrigar. O recepcionista do hotel também viu na net que estava tudo cheio.
- Terceira conclusão: "sem voos nocturnos e sem quarto, mas a não querer ficar aqui - porque me estou a violentar e porque prometi há algum tempo a mim própria que não faço coisas que me violentem - tenho de convencer alguém a ajudar-me. A polícia!" "Não faça isso. Eles estão ocupados com outras coisas, vão mandá-la procurar hotel", disse o recepcionista. Claro que tinha de passar pelo "incómodo" (humilhação seria forte demais) de ouvir a pergunta " Você e o seu namorado zangaram-se?". "Não é meu namorado. É... era um amigo", respondeu. Talvez ainda hoje o recepcionista não tenha acreditado, pois realmente reservarem um quarto, zangarem-se e dizerem que são amigos... Mas dava para engolir esse sapo... "Merda, merda, merda! Nem que durma na estação de comboios ou no aeroporto. Não seria a primeira a fazê-lo...", disse para si própria.
- Quarta conclusão: Os amigos são para as ocasiões e supostamente ajudam-nos quando mais precisamos deles. Ligou para Portugal e pediu a um amigo que lhe desse o contacto de uma portuguesa, emigrante na Holanda, que ela conhecera na última viagem a Londres. "Claro que ela te ajuda! Liga-lhe agora, vá! De qualquer forma eu falo com ela de imediato." Foram impecáveis. Mas ela não vive em Amesterdão. Vive em Maastricht, a duas horas e meia de comboio. Whatever. O importante era sair mesmo dali.
Apesar de o corpo ainda tremer de nervos, o sorriso já se instalara na cara da portuguesa, que desceu as escadas a 200 à hora, carregada com a mala. Objectivo: comboio e saída duas horas e meia depois. Rápido, que se faz tarde e o perigo começa a pairar mais facilmente com o avançar da noite. Mas eis que uma espécie de milagre acontece: o recepcionista tinha "trabalhado" para a portuguesa e já lhe tinha encontrado um hotel na net, nos arredores da cidade, supostamente próximo do aeroporto. Próximo problema: sem cartão de crédito não dava para fazer reservas na net. Pelo telefone, o preço aumentava 25 euros. Até nisso, o homem estava a ser impecável. Deve ter dado os seus números do cartão de crédito, ou outros fictícios que os hotéis usam nessas manhosices (ele andou a ver num dossier) e estava a reserva feita. Restava ir a correr para estação para não perder o comboio e tentar encontrar o shuttle directo ao hotel. "Muito obrigada pela sua preciosa ajuda e desculpe qualquer inconveniente causado", foi a forma de agradecimento da portuguesa. "Ora essa! Não foi incómodo nenhum. O que eu queria era vê-la bem. Acho que assim é melhor porque o dinheiro que ia gastar na viagem para Maastricht era um balúrdio. Tudo de bom para si."
Finalmente sã e salva?
Já na estação de comboios, era apenas preciso apanhar o transporte para o aeroporto. Só que comprar bilhete nas máquinas estava a ser uma tarefa complicada, senão impossível. As máquinas com opção de inglês não aceitavam dinheiro nem cartão de débito (incrível, tendo em conta que com ess mesmo cartão se levanta dinheiro nos ATM), as que aceitavam dinheiro só "falavam" holandês. Perdido por cem, perdido por mil. "Correndo o único risco de levar uma nega, vou abordar esta holandesa e pedir-lhe ajuda", pensou a amiga. Qual nega, qual quê! A holandesa passou o seu cartão de débito e recebeu o dinheiro da portuguesa. Já dentro do comboio, restava saber em que estação sair (faltaria muito tempo). O único ocupante daquela carruagem era um preto holandês que arranhava o inglês. "What??? airrrrporrrte? I tellli yuuu... Erxcuse miii... I ron't speak verrry well englishh..." Não interessava para nada, desde que a miúda não se enganasse na saída. É que, à noite, todos os gatos são pardos. Sã e salva no aeroporto, antes de descobrir o shuttle e desmaiar de seguida, era boa ideia comprar comida. Sem lanche e sem jantar, estava a ser demasiado. Supermercado do aeroporto. Frutinha, pãezinhos, compotas... Para servir de jantar, pequeno almoço e, quem sabe, petisco do dia seguinte.
Na verdade, via-se gente no aeroporto. Os seguranças expulsavam os sem-abrigo e os olhares que se cruzavam com os da portuguesa eram mais estranhos que o habitual. Uns engatatões, outros frios, outros sem aquecer nem arrefecer. Um frio de rachar. O calor dos nervos já tinha ido embora. E a portuguesa tinha levado roupa para tempo quente porque foi informada de que estaria como em Portugal. Os termómetros holandeses registavam 14 graus, contra os 29 sentidos em terras lusas. Comidinha na mão, tipo mitra, era chegada a hora de encontrar o shuttle para o hotel. À saída do aeroporto, a portuguesa ainda foi abordada por um tipo que lhe quis dar boleia. Supostamente a pagar. Seria um taxista. Ou um angariador de clientes para táxis. "Mas para que hotel vai?" Àquela hora da noite e depois da agitação toda do dia, a portuguesa já não sabia se era sensato dar todas essas informações. Mas lá ia sorrindo, tentado ter um olhar frio, mas mantendo um sorriso nos lábios que lhe permitisse aguentar a aventura até ao fim. No local dos shuttles, olhares masculinos fixavam o da portuguesa. "Devo estar com olhos de meter medo ao susto. Com cara de quem ficou debaixo de um camião. Deve ser por isso que olham para mim", pensava enquanto furava aqueles olhares e procurava o shuttle. Havia uma maquineta engraçada perto de uma das paragens. Era para ligar para os hotéis, todos lá assinalados, e pedir directamente o shuttle. Claro que o destino da portuguesa não vinha lá. Por sorte, o recepcionista que lhe marcou o hotel imprimiu-lhe uma folha com os contactos. Restava pegar no telemóvel e ligar. "OK" (também num inglês de fugir) "espere meia hora na paragem B14". "Merda. B14??? Mas elas acabam aqui e esta é a 13. Próxima vítima das minhas perguntas...", pensava, sentia e concretizava a portuguesa. Era logo ali. Não tinha era bancos ou abrigos. A mala era dura, aguentava os 65 quilos da rapariga. O frio é que não dava para contornar. Meia hora. Quando se começava a sentir infeliz e abandonada, erguia os seus gigantes interiores e gritava para si própria (xiu, só por dentro, para ninguém ouvir): "Forçaaaaaaa!!!! Só falta mais um bocadinho de nada para poderes ter paz!" Trincou umas coisitas que comprou no supermercado e lá viu chegar o shuttle. Um homem de preto, numa carrinha meio velha com nove lugares. Alta velocidade, alto som a ouvir a Shakira e lá foi ela com o motorista e mais quatro hóspedes que, entretanto, apareceram. Parecia que ia até ao fim do mundo. Já no hotel, as portas abriram-se para um quarto com o dobro das dimensões dos anteriores. Só para ela. Ali estava a recompensa. "Quando fazemos o que é certo e estamos sintonizados com a vida, ela dá-nos em abundância", sentiu com felicidade. Acima de tudo, esta mulher sentiu que tinho sido fiel a si própria e que, na realidade, a vida é o que fazemos dela. E não podemos deixar que nada ou ninguém nos perturbe nessa jornada. A televisão não funcionava. O aparelho aquecedor fez barulho a noite inteira, mas a cama era gigante, fofinha e, acima de tudo, o ambiente no quarto era de tranquilidade, paz e muito boas energias ("boa onda", como se costuma dizer). Amanhã seria outro dia. O check-out do hotel era feito logo às 11h da manhã e seguia-se para o aeroporto. O que se faria com uma mala de viagem da mão e a 7 horas de distância do voo de regresso a Portugal? Logo se via. Amanhã pensava-se nisso.
De Regresso a Portugal... finally
A viagem do hotel para o aeroporto foi bem mais relaxante. Também, o espírito era outro. Os campos eram lindos. De noite foi impossível sentir esse cheiro e contemplar essa paisagem. Valeu a pena. Eram 11h30. No aeroporto, havia três hipóteses: 1) deixar a mala numa cabine paga e voltar a Amesterdão; 2) tentar alterar o voo para mais cedo (talvez impossível porque essa era uma das advertências da classe económica); 3) vaguear pelo aeroporto e esperar sete horas pelo voo definitivo. O que faria esta mulher sentir-se melhor? Obviamente, a segunda opção. Porque considerava que tinha aproveitado o principal que Amesterdão lhe podia dar no pouco tempo que lá esteve. Ainda pensou ir de proprósito ao Red Light District, mas ficaria para a próxima vez que a amiga de Maastricht a recebesse. Toca a correr para os balcões da TAP. "Sim, pode mudar o voo. Têm é de pagar um taxa de alteração e pode não ter direito a comida por ter feito a alteração em cima da hora". Que se lixasse o dinheiro e a comida. Quem já tinha gasto o que não devia, bem que podia gastar mais uns tustos e ficar 2h30 sem comer. "Quando é o próximo voo?", perguntou a portuguesa. "É o do meio dia e vinte", disse a senhora do balcão. "Eu vou nesse!", retorquiu a portuguesa com convicção. "Bem, tem apenas dez minutinhos. Isto é muito em cima", começou a dizer a senhora da TAP. "Eu corro, eu consigo!", disse com firmeza e grande determinação a viajante portuguesa. Só não conseguiu cumprir os dez minutos porque, na revista, o senhor do cão que ia à frente teve de tirar o animal da gaiola, mostrar a dita cuja e controlar o cão peludo e branco que abanava o rabo e saltava para as pernas dos polícias. A portuguesa bufava. Pedia ajuda ao polícia. Ok. "É ali pertinho, minha senhora". O caraças! Neste momento, a portuguesa está preparada para a meia maratona. Para chegar à zona de embarque, já com as portas fechadas, e pensar que tinha de se adaptar mais uma vez às novas circunstância. E tinha mesmo. O voo estava atrasado. Podia sentar-se e relaxar porque ainda ninguém tinha embarcado. Além disso, havia uma refeiçãozinha para ela e um jornal PÚBLICO que ela se deliciou a ler. E então? Será mesmo que há concidências? A lição desta salganhada toda ainda não foi tirada totalmente por esta viajante. Mas ela já se permitiu alguma falta de modéstia. Já se olhou ao espelho (quando chegou a seu hotel, perto do aeroporto) e já disse a si mesma: "Parabéns! És uma vencedora!" De facto, isso ela já sabia. Mas é sempre bom que as resistências sejam postas à prova.
Quanto ao ex-amigo... Nem sinal. Ainda tentou demover a sua alegada amiga já estava ela fora de Amesterdão em direcção ao hotel. "Estás a ser parvinha!", ousou dizer o palhacinho. "Não, estou a rejeitar a companhia de um perfeito atrasado mental que ainda tem de beber muito chá para merecer ter ao lado uma mulher como eu", pensou a ex-amiga. E assim acabou a história, que talvez continue numa próxima encarnação.
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2 comentários:
Como se continua a ver, o "amigo" mantém-se o cavalheiro de sempre. Parabéns pelo grande homem que és!
Moral da história:
O amigo é um panasca imemorial.
A amiga é anjinha. Viajar com um panasca que mal se conhece é sempre arriscado, viagens só com grandes amigos e esses só com o passar do (longo) tempo se validam.
Viajar é como um reality show: emoção condensada. Ás vezes até os amigos ou casais de longos anos atingem situações complicadas, motivadas pela convivência próxima, 24 horas por dia, quanto mais desconhecidos.
Para a próxima não se esqueça: viaje com uma boa amiga. Se quiser mesmo levar um homem escolha um homem com H grande, cavalheiro e de preferência macho.
E não, não me estou a oferecer para companhia. Os bons deixam de estar disponíveis para viagens de aventura, desde tenra idade.
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