Apesar das estatísticas sobre a violência doméstica em Portugal me espantarem um bocadinho, as conversas que vou tendo com frequência com as pessoas que me rodeiam e que vão entrando e saindo da minha vida (muito por culpa da profissão) não me deveriam ter deixado assim tão boquiaberta.
Muitos são os homens com quem falo que argumentam isso mesmo: "mulher bonita, inteligente e independente é perigosa de mais para se ter por perto". "E porquê?", pergunto eu. "Porque tem outros homens atrás, logo, a insegurança que causa é maior; porque pode prescindir de nós a qualquer momento; porque dá mais trabalho contentar e manter; porque podemos acabar por sofrer mais...", dizem eles. E eu continuo a ficar com cara de xis a ouvir estas e outras argumentações. E contra-argumento: "mas não se orgulham de ter alguém assim por perto? É, por exemplo, o que uma mulher pode querer: um homem com essas características... Além de que, se está convosco é porque QUER!". E eles contra-atacam: "Pois, pois! Aparece um gajo mais giro, com mais papel e mais charme e lá vamos nós de carrinho...". E eu penso, com uma cara de xis ainda mais pronunciada: "Meu Deus! Mas será que é mesmo isto que se passa no mundo das relações? Onde está o amor, o sentir o outro, o estar em paz só porque ele existe e está presente? Perdeu-se para dar lugar a um carro topo de gama, a uma casa com prestações tão altas que é preciso estar agarrado a um emprego estável a vida toda, a uma vida de fachada?". Pior do que isso: as mulheres bonitas, independentes e inteligentes são, eventualmente, para dar umas voltas. Para "casar" (bagh, que visão tão machista e desgastada), os homens de agora preferem que sejamos burras, um bocadito dependentes, e talvez não tão belas quanto isso porque eles, coitados, não conseguem aguentar (pelos vistos, que eu nesta estupidez prefiro ser céptica).
Claro que têm e terão sempre olhos para as belas, mas essas são aquelas que podem ser de todos e que, por isso, nem vale a pena ter por perto durante muito tempo. Talvez o tempo suficiente para insuflar o ego. Outra coisa que tenho reparado é na necessidade de estatuto que anda por aí a vaguear. Em nome de um estatuto aguenta-se muita bomboca e muita vida de merda. O que as pessoas ainda não perceberam é que o verdadeiro estatuto está dentro. Reside na capacidade de, com segurança, sabermos quem somos e conseguirmos lidar com dignidade com cada situação que se atravessa pela frente.
Acho que sobre isto dava para escrever um testamento. Mas remato - que isto já vai longo - com mais uma filosofia de cinco tostões (que, pelo que vejo ao redor, a malta não gosta de ir às profundezas): há, pelos vistos, muitas mulheres por aí que pensam que nelas ninguém "vai pegar" e que se devem sentir desenraizadas e completamente fora dos padrões que elas acham que os homens têm das mulheres e dos relacionamentos. Pois eu considero que são essas mesmo as que dão "mais pica". Se fosse homem (mas ainda bem que não sou), entrava no desafio. Enquanto mulher que vai ouvindo daqui e dali e se vai espantando com algumas revelações, posso dizer que essas mulheres não estão sozinhas na realidade e que a solidão, apenas ilusória, é simplesmente o preço a pagar por uma vida relacional de alto nível. Tudo tem um preço, certo? Ser exigente, pensar e agir de forma diferente tem o seu preço, mas também tem o seu resultado: na hora do desfrute tem-se a possibilidade de jogar em campeonatos que não são para qualquer um...
segunda-feira, outubro 9
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3 comentários:
Sendo eu casada (e bem casada), serei "burra, um bocadito dependente, e talvez não tão belas quanto isso"?
Por favor............
E você, será tão bela assim, que não arranja ninguém? Será isso mesmo?
Não é essa a questão, nem tem a ver com ser casada, deixar de ser, ou ser bela ou ser feia. Tem a ver com padrões e generalizações que a sociedade em que vivemos incute e preconiza. E que espero, sinceramente, que se dissolvam com rapidez. Um contacto atento ao que nos rodeia e algumas leituras, também atentas, ajuda a entender o que foi dito. De qualquer forma, o "bem casado" é sempre muito relativo, assim como o "ser solteiro e bem solteiro". Depende das opções que as pessoas fazem em consonância com o que acham importante para si. Se isso a faz feliz, dou-lhe os parabéns por ser "bem casada". E fico contente pelo facto de estas palavras terem causado algum desconforto. Quando as coisas não mexem connosco, nem lhes damos importância. Obrigada pela paticipação.
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